Resenha: “Ciano” (2006) – Fresno

Fresno

Muitas coisas se passam durante um espaço de 10 anos na vida de uma pessoa. O amadurecimento, crescimento e aprendizado com as situações da vida muda bastante a forma como se encara e interpreta diversos aspectos, entre eles a música. Por isso, pra muitas pessoas, um disco que há 10 anos tinha uma interpretação, hoje pode ter uma visão completamente diferente. Sobreviver relevante e impactante é uma missão difícil para um álbum.

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Foi exatamente isso que aconteceu com “Ciano”, terceiro disco da carreira da Fresno, lançado em 2006. O álbum foi o último lançado pelos porto-alegrenses antes da banda fazer uma incursão pelo mainstream, lançando registros assinados por grandes gravadoras, aparecendo com mais veemência na mídia tradicional e mostrando o grande potencial que estava guardado na música brasileira naquele contexto.

“Ciano” não foi só impactante para a carreira da Fresno, que naquele contexto já era uma banda grande demais para os clubes underground do Brasil, como também para o público do grupo. O registro já começa com a poderosa “A Reposta”, canção que responde à última faixa do trabalho antecessor dos gaúchos, “O Rio, A Cidade, A Árvore”, “Pergunta”. Uma faixa que deixa clara as pretensões da Fresno com o material.

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Na sequência uma das músicas mais populares da carreira da banda, “Quebre As Correntes”. Primeiro single do disco, foi a música que fez a Fresno estourar – ainda mais – nas rádios e teve seu videoclipe executado até a exaustão em programas de televisão da época. Além disso, a música é uma das primeiras da carreira da banda onde a composição é destinada, de modo geral, ao ouvinte. Até então as composições sempre tinham uma atmosfera pessoal, que era interpretada por cada pessoa do público de forma diferente. Considero essa música a primeira pincelada de uma obra de arte que a Fresno está pintando hoje em dia.

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Outra grande característica de “Ciano” é que o álbum é carregado de composições que abordam uma temática até então discreta nas canções da Fresno. Até então, eram comuns canções voltadas pra aflição pessoal materializada por destroços amorosos e lembranças ruins. Porém, todo adolescente sabe que não são somente essas as aflições que alguém na volta dos seus 15, 16 anos vive.

Essa temática aparece pela primeira vez na terceira faixa do álbum, “O Que Hoje Você Vê”, uma canção que claramente trata dos reflexos que atitudes de terceiros têm na construção da personalidade de uma pessoa. Como que palavras ditas a uma criança podem marcar, permanentemente, a vida de um adulto. Essa é uma das minhas músicas favoritas do disco, não só pelo peso do instrumental, que traduz perfeitamente o sentimento da letra, mas pelo twist de sua última estrofe.

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“E se eu te falar que ele sou eu? Se eu confessar que dói demais?”, grita Lucas Silveira nos últimos segundos da canção, um lamento, escancarado na primeira pessoa do singular. Singular como o sentimento que tais comportamentos geram nas pessoas para quais são destinados.

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A energia forte da tríade inicial se acalma em “Absolutamente Nada”. É difícil usar o termo “balada” pra uma banda que lida tanto com temáticas sentimentais como a Fresno, mas essa é uma das melhores – se não a melhor – balada do grupo. É uma música que transmite a ideia do amor sendo reencontrado após algum tempo em que ele morreu. Ou melhor, após ser enterrado vivo.

A quinta música de “Ciano” é, também, uma das mais lembradas pelos fãs quando o nome do disco surge em alguma conversa. “Cada Poça Dessa Rua Tem Um Pouco de Minhas Lágrimas”. O título extenso combina com a duração da música – mais de cinco minutos – algo raro na carreira da Fresno. A composição traz aquela ideia de efeito borboleta, como se cada lágrima chorada, ao evaporar, transforma-se em chuva e lota as poças da cidade. Nada mais que uma metáfora, muito bem composta, para as dores que cada um sofre no particular ao ver uma história de amor se encerrar, mas que se expande em proporções globais e interfere, levemente, em outras vidas.

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Na sequência chega uma canção que lembra bastante o ritmo acelerado de algumas influências da Fresno, como o The Ataris. “Logo Você” é quase que uma antítese sonora, combina o ritmo animado com uma composição tão melancólica quanto as que a antecedem. Falando em melancolia ela retorna em “O Peso do Mundo”, mais uma canção que volta a abordar as temáticas voltadas a bullying e desrespeito.

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“Será que vou suportar, saber que tudo em minha volta é falso e sujo? Será que vou continuar a carregar nas costas o peso do mundo”. A estrofe deixa claro o quão difícil é a ideia de manter trancado dentro do peito os gritos de socorro e insatisfação quando pequenas rotinas, como ir para a escola, tornam-se uma tortura.

A canção seguinte é outra que marcou bastante o trabalho da Fresno em “Ciano”, “Alguém Que Te Faz Sorrir”. A balada tem um poder lírico muito forte, com estrofes onde o sentimento é expresso de forma sincera, sem rodeios, sem metáforas. A música foi o segundo single do disco, e chegou a ganhar videoclipe. A canção retornaria repaginada no disco “Redenção”, onde também seria música de trabalho.

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“Soneto”, ou “Soneto para Petr Cech” é uma canção bastante sentimental, mas mais uma vez um sentimento diferente daquilo que era habitual nos trabalhos da Fresno. Em um dos shows comemorativos ao 10 anos de “Ciano”, Lucas Silveira comentou que a letra foi feita em homenagem à sua mãe, exemplo vivo que o vocalista e compositor tinha dentro de casa, durante sua criação.

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“Enferrujou” é uma das minhas canções favoritas (se é que existem canções favoritas dentro de um álbum que considero quase perfeito) de “Ciano”. A forma como o instrumental “cresce” ao longo das estrofes e gera certa teatralidade à canção é incrível. É uma música que parece retratar aquele momento em que a desilusão amorosa para de doer tanto, e passa-se a perceber que, as vezes, coisas ruins chegam com objetivos bons. “Deixei de viver intensamente pra viver pra ti. Os últimos dias felizes foram os em que eu não te vi”.

A temática do bullying e dos dilemas da fase de transição entre infância/adolescência retorna na faixa de encerramento de “Ciano”, “Infância”. E talvez seja nessa canção em que o peso dessas atitudes seja sentido de forma mais pesada. A canção é inteira carregada de um clima melancólico, triste. Perfeita pra selar o que o registro apresentou até então. A tracklist de “Ciano” se encerra com 3 músicas antigas da bandas, em versões repaginadas, “Teu Semblante”, “Stonehenge” e “Sono Profundo”.

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“Ciano” é uma obra de arte. Talvez escanteada por muitos por conta de preconceitos, mas, ainda sim, um trabalho perfeito. Ciano é um tom de azul, algo que não sei bem explicar como se forma e onde se posiciona no espectro de cores, mas que é uma das experiências sinestésicas mais interessantes que se pode ter. É impressionante como a atmosfera das canções nesse disco lembra a cor azul, seja por conta da melancolia, tristeza ou pelos reflexos dos problemas narrados.

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O álbum também é perfeito por manter-se extremamente atual, mesmo 10 anos após o seu lançamento. Mesmo não sendo adolescente, como em 2006, é possível se identificar com as letras. Não só por conta do sentimento nostálgico que cada uma das estrofes escritas por Lucas Silveira traz, mas porque discos atemporais são capazes de efervescer sentimentos novos, independente da época em que os escute.

Tracklist:

01. A Resposta
02. Quebre As Correntes
03. O Que Hoje Você Vê
04. Absolutamente Nada
05. Cada Poça Dessa Rua Tem Um Pouco de Minhas Lágrimas
06. Logo Você
07. O Peso do Mundo
08. Alguém que Te Faz Sorrir
09. Soneto Para Petr Cech
10. Enferrujou
11. Infância
12. Teu Semblante
13. Stonehenge
14. Sono Profundo

Nota: 9,5

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Avatar de Vicente Pardo
Vicente Pardo: Editor do Nação da Música desde 2012, formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal de Pelotas em 2014. A música sempre foi sua paixão e não consegue viver sem ela. É viciado em procurar artistas novos e não consegue se manter ouvindo a mesma coisa por muito tempo. Também é um apaixonado por séries de TV e cultura pop.