Entrevistamos Matt Shultz, do Cage The Elephant, sobre o álbum “Neon Pill”

cage the elephant
Foto: Neil Krug

Apesar de estarmos há pouco mais de um ano oficialmente livres da pandemia de COVID-19, é inegável que este período foi bastante transformador na humanidade. Para além da situação a nível global, cada um à sua maneira teve a saúde mental afetada; fosse pelos impactos do isolamento social, fosse pela perda de alguma pessoa querida. E com os artistas não foi diferente.

Após um hiato quase que pandêmico de 5 anos, em janeiro de 2024, o Cage The Elephant deu início ao seu retorno na indústria musical com o single “Neon Pill”, que também intitularia o sexto disco da banda, lançado no dia 17 de maio. O comeback marca não apenas uma nova era para o grupo norte-americano, mas também para o vocalista Matt Shultz, que aborda nas letras suas lutas pessoais com a perda do pai e da crise psicótica que levou à sua internação no ano passado.

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A Nação da Música conversou com Matt Shultz sobre a linha temporal do processo de composição de “Neon Pill”, bem como as diferenças líricas e sonoras em relação ao antecessor “Social Cues” (2019), e como a nova fase se relaciona com seu momento pessoal e com a carreira do Cage The Elephant.

Entrevista por Natália Barão
————————————– Leia a entrevista na íntegra:
Oi, Matt! Como você está?
Matt Shultz: Estou bem, e você?

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Tudo bem também! Onde você está?
Matt Shultz: Estou aqui na minha casa, em Nashville. Então não estranhe se você ouvir as cigarras ao fundo (risos), estamos tendo esse fenômeno por aqui em que os insetos saem do chão a cada 13 ou 17 anos, eu acho, e eles estão por toda parte. É meio doido (risos) mas é isso, de volta a Nashville.

Que loucura! E o tempo, como está por aí?
Matt Shultz: Está bom! É um verão de Nashville, que acho que não é tão quente quanto o do Brasil, mas é bem úmido aqui no Tennessee, com muitas árvores bonitas.

Que demais! Adoraria conhecer aí qualquer dia. Aqui no Brasil tecnicamente estamos no outono, mas está tão quente que quase parece o verão! Mudando de clima, vamos falar sobre música?
Matt Shultz: Claro, vamos nessa!

Bem, no dia 23 de maio, o Cage The Elephant lançou seu sexto álbum, “Neon Pill”, após um hiato de cinco anos sem músicas novas. Antes de mais nada, qual você diria que é a história desse disco?
Matt Shultz: Bem, nós escrevemos boa parte desse álbum durante a pandemia. Isso, obviamente, foi muito diferente pra nós, por diversos motivos, mas durante esse período, me receitaram uma medicação que me causou uma reação adversa, e acabou me levando à psicose. E isso foi terrível. Escrever as músicas foi incrível, mas passar por esse período tão difícil foi muito complicado. Eu até cheguei a ser internado, então com certeza foi algo diferente.

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Pois é, eu li a respeito e sinto muito que você tenha passado por isso. Você se sente melhor agora?
Matt Shultz: Sim! Eu fiquei internado por dois meses, e aí fiz terapia ambulatorial por mais seis meses. A medicação que eu estava tomando fez com que eu tivesse uma reação trágica, o que me fez decidir parar de tomar por tipo duas semanas. Eu sinto que voltei ao meu normal, ao meu jeito de pensar e a uma mente saudável. Nos últimos tempos tem sido um processo de recuperar e retomar a minha vida. Então, de muitas formas, esse álbum foi uma linda experiência de me transformar de volta em mim mesmo.

Que bom saber disso! Você comentou que algumas faixas foram escritas durante a pandemia, e foi algo que eu percebi especialmente em “Metaverse”, porque a letra me fez pensar instantaneamente na pandemia. Eu gostaria de saber se, além desse período da pandemia e do que você passou sendo internado, assim como na música você teve uma “perfeita deflexão” sobre essa época.
Matt Shultz: Sabe, “Metaverse”, “Neon Pill” e “Over Your Shoulder” foram três faixas que, no passado, nós sentimos que tínhamos que ser os autores solo de todas as músicas que fizéssemos. Mas, nesse álbum, nós decidimos colaborar com outros artistas, e na verdade esse trecho foi escrito por outro compositor. Então acho que não está diretamente correlacionado, apesar de eu definitivamente me identificar. Muitas dessas letras eu compus quando estava doente, e, uma vez que me recuperei, eu tive que decifrá-las e descobrir sozinho o que elas significavam porque, quando eu estava em estado de psicose, as letras talvez tivessem um significado mais profundo, mas que não tinha base na realidade. Então, em muitas das faixas eu tive que voltar e tentar encontrar alguma coisa com que eu me identificasse para recomeçar. Enquanto eu não fizer realmente uma deflexão, acho que é uma dessas experiências traumáticas que acontecem na vida e são difíceis de se conectar, identificar ou até mesmo confrontar 100%.

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Sim sim, sua visão agora desses momentos passados era até a minha próxima pergunta, mas você respondeu perfeitamente! Agora falando sobre sonoridade, em comparação com o anterior “Social Cues”, eu senti que “Neon Pill” é mais rock do que indie, e explora bastante as guitarras de diferentes formas, como as distorções em “Floating to the Sky”, “Ball and Chain” e “Good Time” – faixas que eu gostei bastante. Como foi o processo criativo da parte musical desse álbum?
Matt Shultz: Acho que o fato desse ser o nosso sexto álbum e de termos tanta experiência de vida, inclusive dos momentos difíceis que estávamos falando agora pouco, fez com que os nossos medos e dúvidas sumissem. Em muitos sentidos, acho que estamos num lugar que não sentimos viver de acordo com mais nada ou tentar ser como éramos no passado. Acho que tinham muitos dos nossos heróis que procuramos ser, pessoas que nos fizeram começar na música, aspiramos ser às vezes e que quando estávamos no estúdio nos perguntávamos “o que esse artista faria?”. Mas nesse disco, acho que estávamos muito mais confortáveis com a nossa própria identidade e com a nossa expressão no momento. Isso não significa que vai ser nossa identidade pra sempre ou que esse som vai nos definir pro resto da vida, mas, nesse momento, é quem nós somos, o que estamos vendo e ouvindo, e estamos bem com isso. Acho que depois de tanta redenção veio a nossa liberdade.

Como você mencionou esses sentimentos de liberdade, autoexpressão e identidade, eu notei isso muito presente nos trechos de “Rainbow”: “preso dentro de um espelho / mudando as formas para sacudir esses rótulos” e “estou com medo de perder ou mais medo de perder o meu caminho?”. Pensando nisso e no que você acabou de falar sobre identidade, como você descreveria o som do Cage The Elephant agora nesse álbum?
Matt Shultz: Acho que varia de música pra música. Sinto que agora estamos mais confortáveis em estar pela música e menos sobre se encaixar dentro de algum gênero específico. Durante anos definitivamente nós nos esforçamos para misturar gêneros e nos mover livremente para qualquer tipo de som que quiséssemos fazer. Mas agora acho que chegamos a um ponto em que não estamos nem pensando em qual gênero ou estilo musical é melhor para cada música. Pra mim isso é empolgante porque, mais pra frente, não tenho ideia de como esse álbum vai soar; e esse é o objetivo, estar continuamente num lugar que você está se surpreendendo e encontrando coisas novas para se interessar. Acho que o que nos define no momento é que não sentimos que temos que soar de um jeito específico, e me deixa empolgado estar vivo numa época em que o gênero está quase desaparecendo para dar mais espaço à expressão criativa.

A era “Neon Pill” começou em janeiro com o lançamento do single de mesmo nome, certo? Fiquei muito curiosa do porquê essa faixa foi escolhida como lead single do álbum.
Matt Shultz: Bem, acho que para falar do novo disco seria impossível não falar da crise médica que eu tive. Eu escrevi essa faixa antes de ser internado e também antes de estar ciente do que estava acontecendo comigo. Uma das minhas paranoias era o medo de alguém estar tentando me ferir ou me perseguir. Uma das narrativas que eu acreditava era que alguém estava tentando envenenar a minha medicação, o que obviamente era mentira, mas o triste é que não foi tão distante assim da realidade, já que a medicação estava me machucando por si só, sem que alguém estivesse por trás disso. Mas, de qualquer forma, essa música pareceu a certa porque, mesmo eu tendo escrito um ano antes disso tudo acontecer comigo, foi um retrato bem fiel do que acabou acontecendo posteriormente até eu voltar a mim mesmo.

Além de toda essa história por trás das letras e da sua experiência pessoal, algo que também me chamou muito a atenção nessa faixa foi a melodia, que, pra mim, soou meio misteriosa, especialmente com os versos em francês “Bisou fatal le femme / Mon Chéri exactement”; não sei porque, mas, pessoalmente, isso me fez pensar muito num filme noir (risos).
Matt Shultz: Ah, que legal!

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Na sua opinião, em que tipo de filme essa música se encaixaria? Pensando mais na melodia do que na letra.
Matt Shultz: Hm, definitivamente parece com um noir ou algum filme antigo do Godard. É difícil dizer… (risos). Um tipo de filme que sempre nos inspirou musicalmente é do gênero faroeste, tipo os antigos do Clint Eastwood. Acho que seria algo desse tipo.

Interessante! Mudando de faixa, eu vi que “Out Loud” tem uma conexão especial com o seu pai, certo? Se você se sentir confortável para falar sobre isso, gostaria de saber se você acha que essa música te ajudou de alguma forma a lidar com o luto.
Matt Shultz: Sim, ajudou imensamente, e não só no luto pela perda do meu pai, mas acho que no luto pelo que aconteceu no curso dos últimos quatro anos. Eu posso ter escrito sobre o meu pai, porque foi algo difícil pra mim de confrontar com o que estava acontecendo na minha vida, mas talvez essas também tenham sido as coisas que eu realmente precisava dizer a mim mesmo. Definitivamente acho que eu precisava dessas músicas para o luto e para a cura; espero que elas possam ajudar os outros a fazer o mesmo e que as pessoas tenham a experiência catártica que eu tive na música.

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Tenho certeza que sim! E, para encerrar a nossa conversa, eu vi que vocês vão sair em turnê agora em junho. Será que podemos esperar uma passagem pelo Brasil?
Matt Shultz: 100%! Estamos trabalhando nisso porque o Brasil é um dos nossos países favoritos de tocar, as audiências são sempre incríveis com pessoas lindas e apaixonadas… sério, são algumas das audiências mais elétricas de todas. Estamos muito animados para voltar.

Estou ansiosa por isso, ainda mais que vocês são basicamente os reis do Lollapalooza Brasil! (risos).
Matt Shultz: Por isso estamos determinados a voltar (risos)! Com sorte, tocaremos nos festivais e também faremos alguns shows solo. Vai ser divertido!

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Sim, espero que tenham shows solo também, porque a vibe é diferente do que a dos festivais, certo?
Matt Shultz: Sim, totalmente. Estou muito animado para fazer shows solo também.

Espero ver vocês em breve! E muito obrigada pelo nosso papo, Matt! Adorei falar com você e adorei o disco. Nos vemos na próxima!
Matt Shultz: Obrigado você pela conversa.

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Natália Barão
Natália Barão
Jornalista, apaixonada por música, escorpiana, meio bossa nova e rock'n'roll com aquele je ne sais quoi