Entrevistamos Clara Castro sobre “Perambule”, seu novo disco

Clara Castro
Foto: Ítalo Almeida/ Divulgação
A cantora e compositora mineira Clara Castro lançou no início de agosto o seu segundo e novo álbum de estúdio, “Perambule”, nas plataformas digitais de áudio. O disco de dez faixas é inspirado pela mudança de Clara para São Paulo junto a pesquisas que realizou na época da pandemia.
“Perambule” é um trabalho de experimentações que põem em cheque as cidades e seus componentes sonoros, com Clara Castro mergulhando em arquivos pessoais e revisitando suas memórias. O Nação da Música conversou com a cantora sobre o disco e seu processo criativo para chegar a este trabalho único.
Entrevista por Isabel Bahé

————————————– Leia a entrevista na íntegra:
Seu disco, lançado recentemente, reflete sobre a relação humano-virtual e como isso se relaciona com o urbano. Como surgiu a ideia para compor o disco?
Clara: Quando me mudei para São Paulo, em 2020, comecei a escrever músicas que se relacionavam com esse movimento. E então veio a pandemia. Voltei para Minas e outras músicas surgiram. Acabei gravando algumas dessas canções em formato voz e violão, no álbum “Ana”. Quando retornei para SP, em 2021, foi inevitável refletir sobre o contraste entre a sonoridade orgânica que essas canções traziam e o que a cidade propunha estética e existencialmente. Nesse álbum anterior, resgatei arquivos da minha infância que me fizeram refletir de forma mais íntima sobre a minha essência.

Mas estando em São Paulo, senti um “chamado” da cidade, de fora pra dentro. Viver aqui mudou completamente minha forma de perceber a música e as pessoas, de me perceber. O ambiente ruidoso, caótico, cheio de acontecimentos e interferências sonoras já sugere um modo de vida, e os encontros que a cidade proporciona podem abrir mundos nas nossas cabeças.

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O conflito entre encantamento e estranhamento pela cidade me trouxe essa vontade de criar um ambiente também contraditório para o álbum, que contemplasse esse lado eletrônico – máquinas que nos conduzem e limitam, correria e excesso da metrópole – em contraposição à organicidade (e mineiridade) das canções.

Como pensar na relação entre pessoas e a cidade te inspira a compor?
Clara: Acho que a relação das pessoas com as cidades revela marcadores importantes para a leitura do presente. E me inspira muito a compor observar nossos comportamentos, as sensações que as cenas cotidianas causam, o desconforto ou conforto que os lugares geram em nós. Meu primeiro material são meus próprios sentimentos e impressões. Quando falo de “pessoas que desaprenderam velhas formas de se reconectar”, também falo de mim. Das minhas próprias relações. Por isso esse convite para perambular, estar em movimento, pronta para o acaso. Porque todo detalhe pode ser material para refletir sobre o funcionamento das nossas vidas, as regras, as belezas, as angústias e contradições do nosso tempo.

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A cidade é também um ponto de encontro, onde realidades convivem e são sobrepostas. Isso também me inspira. O que mais me pegou desde o começo aqui em São Paulo foram os encontros que a cidade me proporcionou. Foram esses encontros que me trouxeram a curiosidade de revisitar o passado e ao mesmo tempo de estar mais atenta ao presente. Nesse ato de “vaguear sem destino”, encontramos cenas e pessoas que nos abrem outros olhares.

A sonoridade do disco também é bem peculiar, você utiliza alguns elementos muito presentes na cacofonia do presente, como as buzinas dos carros. Como você decidiu trabalhar com esses “instrumentos”?
Clara: Eu e Nathan Itaborahy começamos a produzir essas músicas, partindo da interpretação das letras e dessa minha reunião de arquivos. Paralelo a isto, já existia uma pesquisa do Nathan sobre “O Som da Coisa” (nome do disco que ele também lança este ano), ele estava captando e sampleando sons do cotidiano para suas produções musicais. As nossas pesquisas se entrelaçaram no momento perfeito, ele sendo mais do groove e eu mais da palavra, da memória. Começamos então a levantar as bases eletrônicas, num processo de experimentação bem livre, já que estávamos em casa, no nosso homestudio.

Estar vivendo em São Paulo foi um fator fundamental. A cidade de alguma forma, inspirou uma estética mais LoFi pro nosso som. A paisagem passou a ser um elemento. Não só por estarmos assistindo a shows de novos artistas, descobrindo referências e ouvindo sons diferentes, mas também simplesmente por caminhar nas ruas do centro ou no metrô. Os sons da cidade invadem nosso imaginário e são o fundo de qualquer história aqui. A gente queria que soasse familiar para quem ouvisse.

Esses “instrumentos” tem sons que todo mundo reconhece e nos levam diretamente pra uma cena da vida real. Buscamos documentar o presente, já que esses sons são também marcadores temporais, sociais, que expressam nosso modo de vida. O mapa sonoro da cidade – do presente – contraposto ao mapa sentimental, da memória.

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Você já escrevia as músicas pensando em usar estes sons ou surgiu na produção?
Clara: As músicas em geral surgiram em voz e violão e à medida que eu tocava e as incorporava na minha interpretação, alguns trejeitos foram surgindo, como em “Fé na fé”, que me sugeria, pela letra, um jeito mais irônico e preguiçoso de cantar. Esses elementos do cotidiano chegaram como uma reafirmação desse caminho interpretativo, que vem muito de também ser atriz e querer trazer a atuação para o canto de uma forma mais evidente.

Outra camada que já existia era a reunião de áudios e cartas do meu acervo pessoal, que tinha gravações do meu avô, da minha mãe, dos meus amigos e primos: “achados e perdidos” de memória, com os quais já pensávamos em costurar o disco, em contraposição às camadas eletrônicas, urbanas (vida em SP).

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Quando parti para a produção musical com Nathan, a ideia era criar, além dos arranjos, uma atmosfera que colocasse o ouvinte nessa história, composta pela letra e pelos sons. Pela contradição entre orgânico e sintetizado – que se expressa na nossa relação com a cidade.

A cidade é um aspecto muito explorado tanto sonoramente quanto visualmente, como você trabalha esse aspecto na estética do disco? O que ela representa?
Clara: Costumo dizer que São Paulo é, ao mesmo tempo, paisagem e personagem em “Perambule”. Tanto os sons, quanto as imagens, buscam documentar a cidade e a nossa relação com ela. Como somos afetados e afetamos a cidade? Como ela nos conduz com seus sinais, placas, faixas?

As buzinas, campainhas e camadas eletrônicas reunidas a “gestos sonoros”, gravações do acervo pessoal e os arranjos da banda, trouxeram uma atmosfera anacrônica. O tempo da máquina contraposto ao tempo do pensamento. Essa sensação de quem vem de fora: estar em uma metrópole como São Paulo, carregada de memórias e de uma maneira de viver que contraditoriamente se perdem por aqui, mas podem ser resgatadas, à medida que encontramos outras pessoas “que também queiram se salvar da solidão”. No meio do concreto, acabamos brotando em lugares inesperados.

Esta ideia é reforçada na parte visual por Anas Obaid, que assina a concepção, o roteiro e a direção. Nos visualizers, são documentados pequenos acontecimentos e detalhes da cidade: o movimento das nuvens, um cruzamento próximo a uma farmácia, os passantes em uma rua do centro. Anas busca dar luz a acontecimentos cotidianos que passam despercebidos, mas que sintetizam nossa relação com o tempo e espaço que ocupamos. A árvore que cresceu no topo de uma construção abandonada, as paredes tomadas pela interferência humana, as plantinhas no asfalto.

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O diretor propôs, em “Perambule”, colocar meu acervo pessoal em contato com a cidade, buscando compreender o que era comum às pessoas que vivem aqui. No videoclipe esses objetos são representados por uma mala, que perco e reencontro várias vezes. Uma metáfora sobre a nossa essência, que perdemos e reencontramos todos os dias no contexto da metrópole.

Os visualizers também colocam em centralidade elementos do contexto urbano. Documentam a cidade, ao mesmo tempo que sugerem interferências em seu fluxo cotidiano. Como em Genesis, em que fiquei 50 minutos parada em uma rua do centro. Ou em Hora de Acordar, em que montamos um cinema na garagem e a tela era a rua. Durante os takes, ficamos assistindo o movimento dos carros, motos, ônibus, pessoas. Esse ato de observar, cada vez mais raro no tempo do algoritmo.

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Quais são seus planos de divulgação de “Perambule”? Tem turnê vindo por aí?
Clara: No final do mês, lançamos o videoclipe da faixa-título, mais outros dois visualizers: Astronauta e Outras Notícias do Oriente. “Perambule” é a síntese do álbum, Astronauta a abertura e Outras Notícias uma música que fiz para Anas, sobre o nosso encontro.

Estamos também finalizando a construção do show e em Outubro e Novembro chegamos com a turnê, que vai passar por cidades de Minas, Rio e São Paulo. O primeiro show será em Barbacena, na Bituca onde me formei em canto e tive minha primeira experiência profissional na música. As datas e todas as informações saem em breve, dá pra acompanhar pelas redes sociais.

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Isabel Bahé
Isabel Bahéhttps://linktr.ee/isabelfbahe
Estudante de jornalismo e bibliófila que respira músicas.