Entrevistamos Daparte sobre novo disco “Baterias de Emergência”

Daparte
Foto: Rafaela Urbanin/ Divulgação
A banda mineira Daparte lançou nesta quinta-feira (17) o terceiro álbum de estúdio da carreira, “Baterias de Emergência”, nas plataformas digitais de música.
Inteiramente escrito e produzido pelo quinteto composto por Juliano Alvarenga, João Ferreira, Daniel Crase, Túlio Lima e Bernardo Cipriano, o disco de dez faixas é resultado de dois anos de trabalho que mesclam sentimentos e experiências das vidas dos integrantes. Agora os olhares dos letristas “urgentes e necessários”, nas palavras do escritor Valter Hugo Mão, se voltam para as texturas urbanas, a relação da fase adulta com o caos metropolitano, as frustrações com o mundo em crises, solidão, raiva e esperança para compor o corpo de “Baterias de Emergência”.
A Nação da Música conversou com os integrantes Juliano Alvarenga, João Ferreira e Daniel Crase sobre o processo criativo de “Baterias de Emergência”, o impacto do disco na nova fase artística de Daparte e planos futuros do grupo.
Entrevista por Isabel Bahé

————————————– Leia a entrevista na íntegra:
Como vocês descreveriam o conceito lírico de “Baterias de Emergência”?
João: O álbum “Baterias de Emergência” passa por diferentes fases, mas aborda de forma geral a vida do jovem adulto em uma metrópole, enfrentando o impacto mais intenso da vida adulta, ainda lidando com a transição entre adolescência e faculdade, entrando em contato com o mundo real. “Baterias de Emergência” trata também da solidão e da falta de empatia que muitos demonstram, mas também há uma sensação de esperança e de reação, uma postura de “ok, o mundo é isso mesmo, vamos encarar e encontrar nosso lugar nesta geração”.

Chegamos a essa fase da vida com medos e incertezas, percebendo que aquilo que imaginávamos na escola não corresponde à realidade, que o mundo não é tão bom quanto pensávamos. As coisas estão ficando cada vez mais complicadas e o mundo passa por transformações que ainda não entendemos completamente, com crises climáticas, políticas, três grandes guerras em andamento e o cenário pós-pandemia, tudo em meio ao caos. “Baterias de Emergência” dialoga com essa bagunça que nos envolve, mas também traz uma ideia de resistência, de um adulto que tenta, de alguma forma, se manter otimista diante de todas essas crises.

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Essa ideia de ser um adulto sobrevivendo numa metrópole também parte de algo muito pessoal. Vocês se inspiraram em momentos da vida de vocês, ou coisas que estavam sentindo, para compor o disco?
Juliano: Esse álbum, na minha opinião, amadureceu junto com a gente em vários aspectos. O nosso álbum anterior, “Fulgadoce” (2021), tinha uma pegada mais adolescente, com temas que falavam muito sobre romance e paixões. Embora seja ótimo abordar esses temas, sentimos uma necessidade de expressar questões mais relacionadas à vida adulta. E “Baterias de Emergência” explora uma diversidade de temas ao longo de suas faixas: ele fala sobre sexo, a insatisfação com a vida numa cidade grande, e frustrações em geral. Algumas faixas continuam abordando o desejo de se apaixonar e se envolver em um relacionamento, como na música “Ultravioleta”, que traz um refrão forte sobre essa temática, mas de uma maneira mais crua e direta.

Em “Baterias de Emergência”, desde os arranjos até as letras, o disco fala sobre temas mais existencialistas, refletindo o que se sente ao transitar para a vida adulta, ainda com um espírito jovem, sonhando com sucesso na vida profissional e financeira. Essas pressões geram ansiedade, vontade de sair para beber e dançar e tentar aliviar esses conflitos. Tudo isso parece acontecer conforme o tempo passa.

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E o tempo também é essencial para o amadurecimento. Muitas vezes nos perguntam por que não lançamos singles com mais frequência, ou por que não lançamos novos trabalhos em um curto intervalo de tempo. Mas este álbum é um exemplo de como é importante se dar o tempo necessário para entender o que estamos sentindo.

Por que vocês escolheram “Baterias de Emergência” para batizar o disco?
João: Este é o título de uma das faixas, “Baterias de Emergência”, composta de maneira bem espontânea, com a letra surgindo em um fluxo de pensamento. As palavras foram se encaixando naturalmente, sem muita reflexão profunda. Quando chegou o momento de escolher o título do álbum, sugeri esse nome porque achava que soava interessante, intrigante. E, com o tempo, o conceito do álbum começou a se moldar em torno desse título.

“Baterias de Emergência” traz dois símbolos que ajudam a situar o ouvinte no universo do disco. Primeiro, a ideia de “bateria” como uma fonte de energia acumulada, que tem relação com a vida moderna, cheia de pressões e demandas. Depois, a palavra “emergência”, que carrega um sentido de urgência, de necessidade imediata de ação, algo que intensifica ainda mais a energia presente na “bateria”. Há uma sensação de ímpeto, de resposta a essa urgência.

O título reflete bem o estado de espírito que estávamos durante a criação do álbum, essa energia acumulada, a ânsia que sentimos ao compor as músicas. E também é propositalmente estranho. Ele é significativo o bastante para te transportar para um lugar, mas vazio o suficiente para que você preencha com sua própria interpretação.

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Juliano: O meu conceito sobre o título é que temos um baterista muito especial [o Daniel], e hoje em dia muitas coisas estão sendo substituídas pela Inteligência Artificial. A bateria, especificamente, já vem sendo substituída há muitos anos, com o uso de baterias eletrônicas e outras tecnologias. Mas neste disco, gravamos muita bateria ao vivo, o que trouxe uma sonoridade diferente. Achei que um nome revolucionário seria apropriado, porque as baterias do Daniel são urgentes, são uma emergência na sociedade. O disco também é uma homenagem à bateria e aos bateristas.

A gente conversou muito sobre o lado lírico de “Baterias de Emergência”, que tem essa pegada existencialista e afins, mas como vocês traduziram esse conceito para a sonoridade do disco?
Daniel: Nós mesmos produzimos esse álbum, e acredito que esse é um dos principais motivos dele ter tanto a nossa identidade. Conseguimos dar à obra exatamente a cara que queríamos. Chamamos dois parceiros para cuidar da engenharia de som, mas fomos extremamente detalhistas na escolha das sonoridades, dos timbres e dos arranjos. A gente montava as demos no computador e depois tocava para sentir como soava com a banda completa. Estivemos envolvidos em todo o processo, desde a pré-produção até o resultado final.

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João: O processo de criação foi muito interessante, principalmente porque tivemos tempo para refletir sobre a tradução que você mencionou. Quando falamos de “emergência” em termos de som, uma das coisas que mais fez sentido durante as gravações foi a ideia de que esse álbum habita um espaço na penumbra.

Há algumas faixas mais “diurnas”, mas sentimos que ele se move num ambiente de transição entre o fim de tarde e o começo da noite. Vindo de um disco anterior que era mais solar e alegre, este novo trabalho nos pareceu mais crepuscular, quase noturno. Então, em cada decisão, pensamos no que soaria mais “espacial”, mais próprio da noite ou da meia-noite – aquela atmosfera que traz ideias mais profundas e introspectivas.

Eu gosto muito de trabalhar com a criação de ambientes quando estamos produzindo algo. Para mim, sempre faz sentido pensar na ambientação em que o álbum “vive”. Gosto de fazer analogias, e nesse caso, a ideia de um disco que se move entre o fim da tarde e a madrugada serviu como guia. Esse momento em que as cores são estranhas, quando a noite está apenas começando e você está animado com o que está por vir, ou quando a noite está terminando e você está revivendo mentalmente os acontecimentos. Isso, de certa forma, permeou e orientou a tradução do conceito lírico para o sonoro.

João, você mudou recentemente de cidade, como é que a sua relação com o espaço urbano, e do grupo como um todo, influenciou no processo de composição de vocês?
João: Esse álbum reflete bastante sobre a cidade de forma geral, especialmente por causa da minha mudança para São Paulo. Somos uma banda que carrega a essência de Belo Horizonte em todos os sentidos, mas quando me mudei a dinâmica dos ensaios e o processo de criação musical mudaram. Cresci e vivi sempre em Belo Horizonte, então essa mudança para uma metrópole como São Paulo foi algo imenso, quase surreal. E naturalmente, acabei comparando as duas cidades o tempo todo. Eu me pego observando quais bairros aqui lembram Belo Horizonte e como as pessoas daqui se diferenciam das de lá. Essas comparações e observações se tornaram centrais para mim e inevitavelmente influenciaram a minha escrita.

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Mas não foi só com a minha mudança que começamos a falar sobre a cidade. Mesmo em Belo Horizonte, sempre tivemos uma forte conexão com a vida urbana, especialmente à noite. O Daparte sempre gostou de explorar a cidade, sair para conhecer bares, botecos, restaurantes, casas de show. Somos uma banda que vive a noite, e isso se reflete nesse álbum de forma ainda mais intensa, trazendo à tona essa boemia, o contato direto com a rua, com o centro urbano, com o asfalto.

Quando estávamos escolhendo as músicas e escrevendo as letras, fizemos questão de incluir símbolos que representassem essa vida urbana. Por exemplo, em uma das músicas, há uma referência a um aspirador de pó, e em outra, a “Bateria de Emergência”, falamos sobre os pneus de carro deixando marcas no asfalto, o que simboliza a pressa e a urgência das pessoas.

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Juliano: Minha relação com a cidade é bem parecida com a dos meninos. Geralmente, fazemos tudo juntos e curtimos os mesmos lugares no centro de Belo Horizonte. Temos algumas casas de show que costumamos frequentar e fazem parte da nossa “turma”. O Mercado Central também é um ponto comum; Belo Horizonte carrega esse nome em homenagem à sua vista, e muitas pessoas têm o hábito de, no final da tarde, subir em algum pico para contemplar o pôr do sol, uma prática bem típica da cidade. Eu vejo isso como algo bem “Belo Horizonte”, bem mineiro, até pelo relevo montanhoso que a cidade tem.

Daniel: Belo Horizonte oferece uma facilidade maior de “escapada” em comparação com São Paulo. Para quem está em BH, é simples sair da cidade: em meia hora de carro, você já está no meio da natureza, em uma casa de campo ou em um sítio. Já em São Paulo, em meia hora, você mal se desloca de um bairro como Jardins até Pinheiros. Quando vamos a São Paulo, essa diferença entre as cidades fica clara. BH tem um equilíbrio interessante: entrega um pouco da vida de uma metrópole, mas também conserva um lado mais tranquilo e provinciano. Isso permite que a gente viva o melhor dos dois mundos nessas duas cidades.

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Vocês tem planos para uma turnê de divulgação?
João: Certamente, assim que possível vamos liberar as datas. Por enquanto, temos essas três primeiras confirmadas: São Paulo no dia 19 de novembro, Belo Horizonte no dia 29 de novembro, e Rio de Janeiro no dia 1º de dezembro. Estamos muito empolgados para colocar essas músicas para o público e ver como as pessoas reagem, curtir esse momento no palco, que sempre foi o nosso ponto central. Somos uma banda que ama estar no palco, em contato com as pessoas, mostrando nossa música ao vivo.

Vocês falaram muito sobre as motivações de vocês para esse disco, e eu pessoalmente acho que apesar de ser muito individual, ele também é universal por trazer temáticas que todo mundo enfrenta e sente ao passar por esse processo. Qual é a mensagem que vocês desejam transmitir aos ouvintes que estão enfrentando essas dificuldades e vivendo experiências relacionadas à vida na metrópole? O que vocês gostariam que esses ouvintes levassem ao ouvir suas músicas?
Juliano: Eu acho que na arte é bastante difícil transmitir uma mensagem clara e concisa. As pessoas têm total liberdade para sentir o que quiserem ao ouvir o álbum, mas as mensagens nas letras são evidentes. Eu percebo que o disco possui vários momentos, e isso permite que cada ouvinte capte diferentes interpretações, dependendo da conexão que estabelecem com as músicas. Para nós, como banda, o álbum também traz significados distintos, o que é muito interessante porque também conseguimos perceber uma variedade de emoções nos arranjos, que transmitem diferentes sentimentos. Dá pra viajar, dá pra relaxar, e dá pra ficar puto [risos].

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João: É álcool, britadeira e tesão. Essa é a mensagem do disco. O que acho importante pontuar sobre esse álbum é que nós escrevemos com muita sinceridade e franqueza, refletindo nossas experiências pessoais, estamos falando da passagem da juventude para a vida adulta, sobre a falta de empatia, porque é algo que estamos vivendo, e também o otimismo e os momentos que a gente acha que está difícil de entender o que está acontecendo e todo mundo está no escuro. É essa verdade que queremos trazer e para aqueles que quiserem sacar o que a gente tem a dizer, está aí.

Daniel: Eu acho que esse foi o disco que a banda mais se encontrou e colocou o que acreditamos de fato. Quem ouvir “Baterias de Emergência” vai ouvir a Daparte em sua essência, e a gente colocou muito carinho, energia e amor para fazer esse trabalho.

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Isabel Bahé
Isabel Bahéhttps://linktr.ee/isabelfbahe
Estudante de jornalismo e bibliófila que respira músicas.