Entrevistamos Vanessa Bumagny sobre single “Corações Confusos”

Vanessa Bumagny
Foto: Acervo da artista

A cantora e multiartista Vanessa Bumagny lançou neste ano o single “Corações Confusos”, um conto analítico das relações amorosas. A faixa segue “Redução de Danos”, lançada em 2024, e marca o aniversário de três anos de seu último álbum de estúdio, “Cinema Apocalipse” (2022).

Num movimento intitulado pela própria musicista de “sofrência psicanalítica”, Vanessa mescla melancolia e xote (duas coisas que parecem não combinar em primeiro momento) com a parceria de Marcelo Jeneci, que divide os vocais na canção.

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“Acho que somos mais influenciados pelos nossos movimentos internos, muitas vezes inconscientes, do que por algo que aconteceu”, define seu próprio movimento em conversa com o Nação da Música. Esse traço, quase uma crônica musical, é estilístico da cantora, que conta com quatro discos na carreira.

Em conversa com o portal, Vanessa Bumagny dissertou sobre sua mais nova composição e definiu o movimento musical que faz parte, adiantando também algumas reflexões sobre futuro, presente e inconsciente.

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Entrevista por Isabel Bahé.

————————————– Leia a entrevista na íntegra:
Para começar, eu queria te perguntar como surgiu a inspiração para essa nova música, “Corações Confusos”. Gostei muito do título, inclusive.
Vanessa Bumagny: Porque a gente é muito confuso, com certeza. Na minha vida como compositora, já passei pela fase de achar que os confusos eram os outros e que eu sempre sabia o que estava acontecendo. Mas é interessante como o próprio processo de composição leva a uma reflexão profunda sobre nós mesmos.

Eu estava ali, olhando a lua, uma lua linda, daquelas que te arrebatam. Você abre a janela e pensa: “Isso é brutal, é quase como um chute no peito”. Então, eu estava enrolada numa história que não dava certo: no dia que eu podia, ele não podia; quando eu queria, ele não queria. Aquela coisa entre dois… e eu pensei: “Meu Deus, a lua não é só testemunha dos grandes encontros românticos, ela também testemunha os desencontros”.

E ali, pensando, fui para outra reflexão: acho que essa música tem várias camadas, momentos diferentes, embora cronologicamente não tenha acontecido nada. Acho que somos mais influenciados pelos nossos movimentos internos, muitas vezes inconscientes, do que por algo que aconteceu. E fico feliz quando algo acontece — às vezes as coisas externas nos afetam, mas acho que menos do que imaginamos, sabe?

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E você até brinca com uma teoria que surgiu de você criar um estilo chamado “sofrência psicanalítica”, né? O que seria uma sofrência psicanalítica?
Vanessa Bumagny: Acho que é uma sofrência que vai um pouco além da superfície. Sabe? “Você me deixou e eu estou sofrendo” seria o primeiro momento. Mas se você for além… vira uma sina, porque, a partir do momento que você aprende, não consegue mais não pensar: “Puxa, estou sofrendo porque aquela pessoa me deixou? Ou será que eu procuro pessoas que me deixam? Para então sofrer, e justamente o que quero é sofrer?”. Para viver esse sofrimento, busco relações que já começam fadadas a terminar.

É um pouco enlouquecedor. Abre muitas possibilidades. No fundo, não preciso de ninguém para ficar bem, nem para ficar mal. As coisas acontecem dentro de mim, e o que está fora não me influencia tanto.

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Como quando dizem: “Ah, a pessoa ganha na loteria, fica feliz um tempo e depois passa”. É uma alegria passageira. Porque as coisas são mais complexas. “Ah, vou viajar e vou esquecer”. Não, você vai levar o que está dentro de você. Quem falava isso era o Itamar Assumpção, aquela música que diz que “a vida cansa, mesmo indo pra França de avião”. É linda.

Você mencionou que é quase como se fosse uma cronista da música. Isso faz muito sentido, especialmente agora que você traz essa bagagem da psicanálise. E você inclusive fala dessa ideia de “amor moderno” – essa canção, “Corações Confusos”, fala sobre amores modernos. Como você definiria esse “amor moderno” do qual você fala?
Vanessa Bumagny: É, na verdade, engraçado pensar no termo “amor moderno”. Acho que é mais uma outra forma de cantar o amor, diferente da que a gente está mais acostumado na canção. Em geral – claro que há muitas exceções, a gente acabou de falar do Itamar Assumpção, que foge muito desse lugar –, a canção costuma ser: “Estou feliz, estou com meu amor e canto o amor feliz”.

Inclusive, é tão engraçado: eu pensava “caramba, não consigo fazer música de amor feliz, sempre tem um porém”. Cheguei a tentar, me autoencomendei uma música – uma canção minha que chama “Tris” –, mas aí depois ela tem uma parte B que já não é mais tão feliz.

Você nunca conseguiu fazer uma canção como a gente vê hoje? Essa visão de algo muito unilateral: ou é completamente feliz, ou é completamente triste.
Vanessa Bumagny: Exatamente. E acho que faço uma reflexão um pouco mais interna, sobre o que está acontecendo comigo, sobre a parte sombria do amor, a parte difícil… Talvez “moderno” seja nesse sentido. É claro que soa um pouco… como se diz? Presunçoso falar “estou cantando o amor moderno”, uau, né? Ninguém inventa nada, tudo já foi feito.

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É mais uma sensação de que o amor é mais do que “foram felizes para sempre” ou “você me largou e só serei feliz se você voltar, senão estou morrendo”. O amor é mais complexo, e às vezes as canções poderiam explorar isso… Ou não poderiam nada, elas têm que ser como são, cada compositor faz o que sente.

Às vezes falo: “Gente, eu só faço a música. Depois, não sei por quê, não venham me perguntar, não peçam para eu explicar. Quem ouve explica melhor”. Talvez você consiga explicar melhor minha música do que eu mesma. Faz sentido?

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Você tem uma dificuldade de definir o trabalho, de certa forma.
Vanessa Bumagny: Sei que não quero ser aquela pessoa antipática quando o jornalista pergunta: “Fale do seu trabalho, explique”. E eu falo: “Meu Deus, não sei explicar! Explica você, que é a pessoa mais instrumentalizada para analisar”. Porque acho que o fazer artístico não tem tanta reflexão e embalagem depois.

Mas é muito difícil, porque toda vez eu me engasgo nas perguntas. Fico tentando explicar, mas sempre acho que é menos do que a própria canção sabe dizer sozinha. Eu não me defino por um gênero, então seria muito mais fácil se eu fosse cantora de rock, ou de forró, ou de MPB… Aí eu penso: “Gente, mas o que seria essa MPB?”.

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Cada disco meu tem uma coisa, porque um produtor levou para um lado, tem uma música mais rock, outra mais regional, outra mais pop… Sendo paulistana em 2025, eu ouço de tudo, tenho influência de tudo, transformo tudo dentro de mim – e realmente não tem um gênero único. E até me ajudaria muito se tivesse, com certeza.

Você escolheu o xote para essa música e trabalhou com o Marcelo Genesi, e também comentou anteriormente que já imaginava a voz dele nesse trabalho. Como foi a experiência?
Vanessa Bumagny: Eu conheço o Marcelo há muito tempo. Acompanhei a transição dele de instrumentista para compositor e cantor, sempre admirando muito. Eu já pensava que, em algum momento, queria fazer algo com ele.

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Para mim, a música nordestina está muito presente na minha vida. Tive uma banda de forró, tenho uma música que o Dominguinhos cantou e tocou… então são momentos importantes para mim, sempre revisitar o forró, sempre voltar a essa música do Nordeste pela qual sou tão apaixonada.

E aí fiquei pensando: “Puxa, o Genesi seria perfeito!”. Porque é um xote, e a voz dele está desse jeito suave, macia. Chamei ele, e foi sensacional porque ele curtiu a música, e isso é importantíssimo para uma participação especial.

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É muito legal, porque às vezes você admira um artista e gostaria que ele participasse, mas nem sempre ele vai gostar, vai querer, vai ser algo que ecoa nele também. De fato, o Marcelo, do jeito que é, é incapaz de fazer um elogio por simpatia pura. Quando ele aceitou e topou, eu soube que era porque realmente tinha gostado, tinha batido. E o resultado ficou muito bonito.

Fiquei emocionada no estúdio. A maneira como ele se entregou, o jeito que toca sanfona, como cantou… Ele que inventou aquele canto que tem no começo, foi todo emocionado fazer. E acho que é isso que faz a alma de uma música. Deu muito certo essa parceria.

Como você mesma falou, às vezes as músicas vêm sem que você pense numa definição. Mas como funciona quando está trabalhando num disco, que precisa de uma certa organização ou conceito?
Vanessa Bumagny: Pois é… Para você ter ideia da loucura, como sempre fui uma artista independente, tive muita liberdade. Meu primeiro produtor, Alex Siqueira, quando terminamos o primeiro disco, falou: “Adorei trabalhar com você porque me deu total liberdade para fazer todas as loucuras que eu quis”. Então, sempre trabalhei na base da loucura mesmo [risos].

Quando fiz o primeiro disco, a cada música ele chamava um time diferente de músicos. Dizia: “Essa tem a ver com um regional”, “essa com a galera mais pop”. Cada uma de um jeito. Eu falava: “Está ficando uma colcha de retalhos, a imprensa vai dizer que é um disco que atira para todo lado”.

Só que, quando saiu, foi o disco que mais teve matéria, e todo mundo elogiou a unidade. Era uma unidade que eu não via, mas que apareceu quando pronto. Uma doideira, porque cada música tinha uma formação totalmente diferente, eram de épocas distintas – como é o primeiro disco, peguei músicas que tinha feito há dez anos. Sou independente, tenho essa liberdade.

Sempre fiz assim. Meu terceiro disco, “Segundo Sexo” (2014), teve cinco, seis produtores diferentes. Isso sempre foi muito… anti-conceito. Nunca comecei sabendo o que queria. Cada música pedia uma coisa, e quando você vê, estão todas juntas e você pensa: “Meu Deus, isso não tem sentido estar junto… mas ao mesmo tempo tem!”.

Confio um pouco no meu inconsciente, na minha intuição. Se quis gravar essas canções juntas neste álbum, é porque, neste momento, são as coisas que quero dizer. Talvez seja pouco mercadológico ou pouco estratégico, mas para mim é tudo muito visceral. Sou assim na vida: intensa, visceral. Vou fazendo o que sinto.

E agora, com esse novo álbum, imagina: “Redução de Danos” foi produzida pelo Rafael [Castro], “Corações Confusos” pelo Gabriel Serapicos, tem outra com o André Bujanha, e já estou falando com um produtor de rock punk para produzir mais uma. Então eu fico: “Meu Deus, agora vou explodir tudo de uma vez!”.

Mas aí pode ser como aconteceu com o primeiro disco: esperar a imprensa dizer o conceito. E é isso.
Vanessa Bumagny: Acho que daí vem alguma unidade – as pessoas identificam. Deve ser isso, porque eu mesma não paro para pensar num conceito, nunca parei. Não sei se um dia vou parar. Quem sabe? A gente está sempre mudando, né?

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Isabel Bahé
Isabel Bahéhttps://linktr.ee/isabelfbahe
Jornalista bibliófila que respira músicas.