Nessa quarta-feira, dia 8 de março, é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Mais do que comemorativa, a data exalta a luta feminina por conquistas e melhores condições de vida na sociedade em que estamos inseridas. Não por acaso, esse dia foi escolhido por Vanessa da Mata para lançar seu novo álbum “Vem Doce”, sétimo de sua carreira.
A Nação da Música conversou com a cantora sobre “Vem Doce” e o que está por trás de suas 13 faixas, desde as parcerias, com artistas como João Gomes e L7nnon, até as inspirações para as temáticas das músicas, que incluem não apenas situações do cotidiano, mas também críticas sociais e políticas ao Brasil enquanto país e sociedade.
Entrevista por Natália Barão
————————————– Leia a entrevista na íntegra:
Oi, Vanessa! Tudo bem?
Vanessa da Mata: Oi, Natália! Tudo bem sim, e você?
Tudo certinho também! Bem, podemos começar?
Vanessa da Mata: Claro, vamos lá!
Bem, antes de mais nada eu adorei que “vem doce” é um outro jeito de dizer “vem com tudo”, porque eu adoro essa expressão! Eu acho ela ótima!
Vanessa da Mata: É, eu criei! Vem já entregue que a coisa tá boa (risos).
Sim! A gente vai ter muito tempo pra falar melhor sobre ele na nossa conversa, mas já de antemão eu queria te perguntar, como você acha que “Vem Doce” se diferencia dos seus outros trabalhos?
Vanessa da Mata: Bom, eu acho que ele se diferencia inteiro, mas ao mesmo tempo ele é o meu estilo e a minha identidade musical. Então por mais que ele seja completamente diferente, ele não foge do que é um estilo já burilado e trabalhado já há muitos anos. Ele tem músicas mais críticas num contexto social mesmo, ele é mais forte que as críticas sociais nesse sentido que eu tenho feito, apesar de ter feito desde o primeiro disco “Eu Não Tenho”, que é uma música minha com Lokua Kanza, que é um africano absurdo e músico muito foda, ele tem lados mais ácidos, inclusive na forma como os arranjos são feitos. Então por mais que tenha esse lado doce e terno, extremamente feminino e que muitas vezes se confunde como frágil, o que não é, eu acho que ele é muito incisivo nessas partes que precisam ser nesse momento pra mim. Esse lugar onde a gente ainda emperra no lado “terceiro mundo”, e que a gente precisa mudar urgentemente pra conseguir chegar num primeiro, com várias possibilidades de evolução, né, sair dessa opressão feminina, dessa opressão homossexual, dessa opressão de gênero, dessa falta de poder público, investimento no povo brasileiro que a gente precisa há muitos e muitos governos né, a gente precisa desde lá atrás de educação, e eu acho que isso pesa muito na hora da gente sair desse ranking de 4º lugar mais violento do mundo que a gente tá nesse momento.
Sim, com certeza. E você comentou sobre a questão de criticar nesse sentido bem incisivo mesmo contra a opressão feminina, e eu notei que o lançamento acontece justamente no Dia Internacional da Mulher. Eu queria saber se a escolha da data de lançamento foi proposital.
Vanessa da Mata: Sim, foi completamente proposital. Esse disco tem Belchior, tem parceiros de diferentes musicalidades e ele tem primordialmente a minha expressão, que é essa coisa desde o primeiro disco de realmente dizer o que eu penso na música cantada, na letra cantada, que é fazer essa minha compositora ser mais atuante do que interpretar canções alheias. Tem uma canção só, que é essa do Belchior, e pra mim foi muito forte porque ela tem essa localização da gente, essa geografia da gente se colocar na América do Sul, se ver americano ou sul-americano, e as minhas necessidades e catarse de pegar esse fel todo que está no ar do Brasil com essa maldade e essa pouca vontade de raciocínio perante tantas frases imbecis e doloridas, e transformar isso em frases que a gente gostaria de dizer, talvez de musicar, sentidos que a gente gostaria de filtrar dessas outras coisas, desse fel todo espalhado por aí, e eu acho que tá bem sentido nesse momento.
Ele tem não só as crônicas brasileiras, mas ele fala desse feminino machucado, ele fala dessa necessidade de mudança, ele fala do que é o comum para o Brasil, mas que não pode jamais ser solerado. Quem não tem uma amiga que foi abusada? Depois de uma idade que você vai perguntar, quem não tem medo de ter uma filha no Brasil? Quem não tem uma raiva, um ódio quando se fala disso? E ainda não tão discutido como precisa e como precisaria, porque ele é tamanho e é uma sociedade tão machucada por ele, tão violenta também pelos abusos que a gente não faz ideia.
Com certeza, e essa veia de crítica social que você comentou que já ter em outras músicas, mas falando especificamente de “Vem Doce”, as que eu notei ouvindo o disco foram principalmente “Foice” e “Face e Avesso”, nesse sentido de criticar a questão política, até com o termo que você mesma usa de “incompetência política”, e até aqui na nossa conversa que a gente pode concluir negligência também em muitos aspectos. Você sente que agora, com esses novos tempos, a gente pode ter mais esperança que essa crítica social seja no sentido de cobrar, como toda sociedade deve cobrar seus governantes, mas não tão incisiva de apontar esses grandes absurdos dos últimos tempos?
Vanessa da Mata: É, mas eu acho que isso é independente de política, isso tá na sociedade brasileira, sabe. É uma questão muito grande de proteger fins de uma classe alta, proteger economia, proteger o medo do pobre, o medo do preto… tem muitas questões, o medo da mulher, muitas questões envolvidas que são questões de um país subdesenvolvido mesmo, que a gente vai ter que não fechar os olhos daqui a 4 anos, daqui a 8 anos. Eu acho que é preciso ser vigido investimento no povo brasileiro quem quer que venha a ser. Isso tem que ser o básico da política brasileira pra sempre, porque é o básico de uma sociedade que quer ser justa, que quer andar na rua e quer ter um povo mais priorizado. Não tem como a gente ter uma sociedade melhor se a gente não tiver o povo priorizado.
Totalmente. E eu comentei sobre “Foice”, e uma das coisas que me chamou a atenção na letra também foi muito o direcionamento pra religião como a forma de igualar todos nós numa sociedade, independentemente de classe, de gênero, de raça e dessas questões todas políticas. E eu queria saber qual é a sua conexão específica com a religião? Porque eu vi que a letra também cita Nossa Senhora da Conceição e muito da parte das pessoas que conhecem ervas.
Vanessa da Mata: Eu tinha uma avó mateira, uma avó benzedeira, e ela era ligada à Igreja Católica por contradição. Então eu acho que houve um momento de muita demonização das igrejas afro-brasileiras, das religiões afro-brasileiras, e ela ficou num lado dos ensinamentos cristãos e tal, mas ao mesmo tempo não deixou esse mateiro e esse antepassado dela que deveria ser um xamã, não deixou de usar porque sabia, tinha uma sabedoria enorme, sabia do poder da natureza, que tudo dá e nos tira. E ela me ensinou muito também sobre as ervas, sobre tudo.
O que eu aprendi, sendo criada na Igreja Católica e depois de muitos anos, quando eu fiz 40 anos, eu fui fazer santo no Candomblé, e isso me trouxe muita paz porque o meu lado, não sei se médium, não sei se louco, oscilou muito e ficou muito grande, e eu não conseguia lidar com isso porque eu sou muito racional de certa forma, e você lidar com o invisível sem ter controle nenhum é assustador. Então quando eu me fechei no Candomblé, isso me trouxe muita paz de volta, e eu entendo o lado Candomblé como quimicamente ligado à natureza, é o que a gente é mais água, mais alcalina, mais não sei o que, a gente tem essa energia por fora. E a gente é completamente ligado à natureza, não tem como, desde os nossos desenhos, que são dos troncos das árvores, ao solo, ao rosto, você pega uma senhora do sertão e você olha o rosto dela, ela é exatamente igual ao corpo da terra, à seca e tudo. Essa religião pra mim me trouxe mais inclusive razão, ela tem mais física quântica no meio, ela tem mais razão, não é uma coisa humana, ela é menos pretensiosa porque não é o humano que é o grande, é a natureza mesmo, é o que ela nos dá e o que a gente é.
Eu acho que é a coisa química mesmo, cada energia que você tem (mesmo energia sendo muito básico e muito clichê), a soma de toda a química do seu corpo, de onde você vem, a cultura que você teve, a hora que você nasceu, tem toda uma influência, então você acaba se encontrando em mais um elemento que o outro, e isso te traz mais equilíbrio (ou menos), e você vai sempre neutralizando as maldades, o que te tira do seu eixo e do teu rumo. E eu gosto muito disso.
Eu também, eu acho que justamente traz muito dessa paz que você comentou ter encontrado no Candomblé e tudo mais, e essa mesma perspectiva também é o mesmo que tá na letra de “Menina (Deus Que Te Dê Juízo)”? Porque também cita a parte de pedir bênção e a troca de oração com a madrinha (e a sua inclusive é a Bethânia, né)?
Vanessa da Mata: É, minha madrinha musical é a Bethânia! Eu mandei pra ela e ela achou engraçado; “Vanessa, achei muito engraçado essa madrinha, você pedindo pra pessoa não sair da rua”, porque ela gosta de uma cerveja, ela é a pessoa que adora a rua! (risos). “Vanessa, eu achei isso muito engraçado”, ela é maravilhosa (risos). Ela falava “Deus te dê juízo? Isso aí não sou eu né?” (risos). Mas é a história de uma menina que tá justamente querendo a libertação total da rua, mas é essa menina que tem que saber os limites. Ela não sabe muitos limites, essa liberdade total e os perigos da rua, e estar com uma pessoa que ela ama. E tem sempre essa rua chamando, é uma música que eu gosto muito, muito, muito.
Eu gostei bastante também! A parte dos arranjos do começo me remeteu pessoalmente um pouco ao tango até, e eu gostei bastante!
Vanessa da Mata: Sim!
E essa menina, a personagem dessa música, também têm vários outros nas faixas do álbum: têm os gêmeos em “Gêmeos”, pra falar da questão do livre arbítrio, tem outras duas que nem preciso falar mais nada porque o título já tá ali, que é a “Amiga Fofoqueira” e a “Vizinha Enjoada”. Eu adoro crônicas, acho um gênero muito incrível, e eu queria saber se essa narrativa especificamente tem alguma conexão, ou pode ter sido influenciada quem sabe, no livro que você escreveu “A Filha das Flores”?
Vanessa da Mata: “A Filha das Flores” pra mim é uma decorrência das histórias de cada música. Eu acho desde o início, desde o meu primeiro disco, que tem uma música chamada “Carta (Ano de 1890)”, uma pessoa passeando pelo centro antigo do Rio de Janeiro, onde tinha ali sentado Machado de Assis conversando com Noel, conversando com não sei quem, uma galera da época mais ou menos da mesma idade, e eu sempre tenho essa ligação da literatura brasileira mesmo raiz com a música. Acho que eu sempre fiz isso, são crônicas que poderiam se tornar cada uma um conto, que poderiam se tornar um romance de cada uma. Eu sempre tenho inclusive uma necessidade de continuar a história. Eu acho que cada uma é um personagem mesmo que daria pensão, assim como “A Filha das Flores” poderia ser uma música. Mas é uma maneira de eu escrever, eu sou uma cronista mesmo, eu sinto isso do Brasil no momento.
Não, com certeza, pelas letras todas de “Vem Doce” deu super pra perceber isso. E sobre as composições, você comentou até no começo que dentre as 13 faixas do álbum só tem uma que não é uma composição original sua, que é “Comentário a Respeito de John”, que é uma música do Belchior, e que eu vi que tem uma versão solo sua, mas na verdade é uma parceria com o João Gomes. Como surgiu essa ideia de colocar essa regravação do Belchior no disco e chamar o João Gomes?
Vanessa da Mata: Então, o João cantava uma música minha chamada “Amado” já há muito tempo atrás, desde o primeiro disco dele. E ele era um grande fã por causa da mãe, que ouvia as minhas músicas. E ele canta várias, ele canta “Vermelho”, ele sabe o repertório, e ele tem uma inteligência musical muito legal. Aí um belo dia ele mandou um direct pra mim perguntando se eu também achava que ele tinha acabado com a minha música (risos). “Desculpa aí, acabei com a tua música!”, e eu “Deixa de ser doido, moleque! Me liga aqui!”, e mandei o telefone. “Deixa de ser doido, não tem nada disso, vamos conversar”. Ele me ligou e já ligou pra mãe, e ela chorava à beça, foi muito legal! E entrar em contato com isso também, porque eu não sou o tempo todo Vanessa da Mata, eu sou só Vanessa normal, e você tem esse menino estourado, 20 anos, que sabe do meu repertório, também com a participação da mãe, é muito emocionante. E ele é aquela doçura que ele é, é muito bom quando você tem uma pessoa tão grande dando esse exemplo de doçura, um amante da vó como eu era com a minha avó, que era a minha melhor amiga. E tem esse hectarismo chato que existe das pessoas não ligarem mais pras pessoas mais velhas, não respeitarem, mas ele tinha essa doçura e ele me convidou pro DVD, eu fui cantar no DVD dele, cantei “Amado” e cantei uma música só minha chamada “Só Você e Eu” com ele, e ontem eu vi que tá em 50 e poucos milhões o videoclipe do DVD.
E a música com o Belchior, eu sempre gostei dessa música e eu percebi na morte dele que as pessoas não revisitaram muito essa música, as versões que têm por aí são poucas, e são mais as outras logicamente porque fizeram mais sucesso e tal. E eu falei pro João, e ele disse “nossa, eu adoro Belchior!”, eu nem sabia que ele era fã do Belchior. E gravando o videoclipe eu percebi que ele tem uma cultura musical incrível, invejável pra muitos da idade dele, ele sabe muito de música brasileira, ele vem do aboio, da vaquejada do Nordeste, e ele sabe tudo de Luís Gonzaga. Eu cantei uma música antiga antes que era um aboio, e ele cantou a música inteira; são seis estrofes, oito estrofes, é uma música gigante, como eram as músicas 20, 30 anos antes de mim. Gonzagão, essa música deve ser da década de 60. Eu sou uma pessoa que escuta muito músicas da década de 30, 40, 50 no Brasil, e eu percebo que isso tem muito no Recife, no Nordeste também, as pessoas têm muito uma cultura absurda de música brasileira, muito boa, muito boa. Eles sabem o que eles estão ouvindo, eles são exigentes com isso.
E aí as músicas pra farra, esses vários gêneros musicais, eles visitam todas, mas eles não são do tipo que ficam numa, e isso é muito interessante. Mas ele surgiu por isso e no DVD dele também veio o L7nnon, que eu conheci lá e chamei pro som, e Marcelo Camelo eu já conhecia há muito tempo; eu conheço o Marcelo, conheço a esposa, a filha, os meninos todos já foram muitas vezes em shows meus, eu já fui nos deles e amo, já fizemos programas de TV juntos, enfim, é divertido.
E você comentou do L7 né, que é completamente viral, ainda mais no TikTok!
Vanessa da Mata: É, lógico! Ele é uma doçura também, eu acho que ele tem essa cultura do samba do Rio de Janeiro, do funk do Rio de Janeiro, mas ele propõe uma coisa também diferente de misturar e virar um trap e de várias funções, né, não só de empoderamento da coisa negra, da coisa das novas comunidades, dos novos jovens das comunidades que tão completamente se profissionalizando, se gestando, se mudando, saindo dessa coisa do padrão que a gente discute na música “Gêmeos”, que existe o livre arbítrio, na verdade todo mundo sabe que não existe, que você sair de um padrão é muito difícil, que você luta a vida inteira pra sair desse padrão e você normalmente repete a miséria, o distanciamento, as doenças mentais, os suicídios, as mulheres abusadas e etc, isso é muito provado há muito tempo. Então não é bem assim, né, esse livre arbítrio é mais árduo do que todo mundo diz. É difícil sair dele.
Sim, e a própria parceria com o João Gomes, com o L7nnon, com o Marcelo Camelo e até a própria “Vem Doce”, que foi construída em cima de um beat do Papatinho traz toda essa diversidade de gêneros que distam um pouco do seu, mas nas músicas traz novos estilos, enquanto mantém a sua essência. E eu queria saber, o que você tem ouvido ultimamente de novos artistas?
Vanessa da Mata: De novos, eu até separei aqui um monte de nome. O Jottapê, que é genial pra mim, é incrível; César Lacerda; Juliana Linhares; o Chico, Chicão, que é o filho da Cássia, que é foda, que é incrível; Giovani Cidreira; Bala Desejo mara, e a Dora pra mim é uma das vozes mais lindas que surgiu nos últimos tempos, o próprio disco dela é fantástico, é lindo. Que mais, Beatriz Mazon… são muitos nomes, mas eu tô falando os mais novos mesmo. E aí tem os que vieram depois, BaianaSystem, que é incontestável, essa linha do tradicional com o novo que eles fazem é muito forte, eu acho que é um movimento mesmo. Desde o início quando eles surgiram eu fiz uma parceria com eles também que é “Gente Feliz”, e eu ouvi no camarim de um festival de Belo Horizonte eles tocando, eu ia entrar depois, e eu falei “cara, isso é muito forte”. Me lembrava a primeira vez que eu ouvi Xico Sá e Nação Zumbi, me lembrou muito, que isso fomentou mesmo um movimento e desdobrou, e virou uma onda de vários artistas depois, lógico que lugares diferentes, com musicalidades diferentes, mas tô dizendo na mesma força, na mesma linhagem de personalidade única e marcante que eles têm.
Além de artistas novos, algum estilo tem te atraído mais ultimamente? Pensando até no próprio L7nnon, que é mais rap, trap.
Vanessa da Mata: Cara, eu acho que o rap hoje é a grande voz da moçada que necessita mesmo de mudanças. Eu acho que é o papel que o rock’n’roll fazia nos anos 80, e acho que eles conseguiram fazer muito bem, além da MPB, que faz isso de uma maneira diferente. E eu gosto de alguns outros ritmos, por exemplo o arrocha, acho foda, acho incrivel. Ah, são tantos… mas acho que lembrando agora o arrocha pra mim é muito essa expressão do tambor, ao mesmo tempo do moderno colocado junto com o experimental e eletrônico, junto com a dança nesse movimento afro-brasileiro. Acho muito genial, muito gostoso, infelizmente eu não consegui botar em nenhuma música, mas essa é a ideia pro futuro.
Interessante… e pensando na questão de gêneros musicais, indo um pouco pra parte do eletrônico agora, eu vi que recentemente saiu um remix de “Boa Sorte”, em parceria com o Alok e Cat Dealers, e que é uma música que bombou completamente nessa nova geração da qual eu faço até parte, e junto com “Ai Ai Ai”, que é o hit das festas universitárias tomando banho de chuva…
Vanessa da Mata: Eu não tenho nada a ver com isso! Essa parte de jogar bebida eu não tenho nada a ver com isso! (risos)
Pior que eu sei que não! (risos) Mas é um evento nas festas!
Vanessa da Mata: É um evento!
E essas duas músicas são completamente virais, todo mundo conhece, jovens de 15 anos até hoje. E essas duas músicas especificamente, até pensando que “Boa Sorte” ganhou esse remix recentemente, o que elas representam pra você? Que são dois hits supremos!
Vanessa da Mata: Tem muita gente que tem muito preconceito com hits, eu me lembro que no começo “Não Me Deixe Só”, e veio depois “Ai Ai Ai”, depois “Boa Sorte”, mas tinham algumas no meio, como “Amado” também, e as pessoas começaram a torcer o nariz, mas isso é um encontro muito raro e impressionante. “Boa Sorte” foi a música mais tocada do ano em 2008 e “Ai Ai Ai” também em 2007. E “Boa Sorte” toca hoje em tudo que é lugar do mundo, eu fui pro Marrocos, comecei a me ouvir tomando banho, eu ouvi uma voz e era eu (risos). Aí tem gente que tá viajando em Berlim, não sei onde no Congo, e ouve, manda mensagem, manda vídeo, é muito emblemático isso acontecer porque também eu tive uma gravadora que dizia na época que eu seria cantora chique, de conceito, e que eu jamais atingiria esse lado mais popular. E difícil você ouvir isso, porque quem determina isso? Às vezes sai pela culatra e vai, toca pra caramba e já é a segunda geração que essas músicas alcançam com esse remix.
Eu dei muita abertura pros remixes desde o início da minha carreira, e eu fui uma das poucas que fez isso, e isso depois foi crescendo, foi virando um movimento da noite; você não via mais a galera indo dançar música brasileira na noite, era uma coisa extremamente internacional. E quando eu comecei a olhar isso de novo acontecendo, e tocando sem ser nas festinhas que a gente tocava o que a gente queria, mas nos clubes, onde você não tinha isso, eu fiquei muito aliviada porque era exatamente o que eu queria ver. E hoje você tem um cara que é acho que o 5º mais tocado do mundo, que é o Alok, tocando uma música brasileira no meio disso; não à toa essa música é conhecida, mas trazendo pra uma mega vitrine. Eu acho que eu vou ter uma geração nova de meninos, meninas e menines dançando tudo. Pra mim vai ser uma honra, incrível. Aprendam a dizer boa sorte, a gente precisa às vezes! Tchau, querido, boa sorte! Vai aí, não me empate mais! (risos). A gente precisa! E boa sorte no sentido de adeus, que a gente tem que dar pra muita gente de vez em quando pra que elas não empatem a gente e dão um vem pra cá quando precisa também
(risos) Sim, super! Infelizmente eu acho que o nosso tempo tá acabando, então eu vou pra minha última pergunta. Uma das faixas que eu pessoalmente mais gostei de “Vem Doce” é “Eu Repetiria”, que foi composta junto com a Ana Carolina, e que eu acho que tem muito de você, mas também pelas guitarradas que ficam mais com overdrive tem muito dela também, e eu gostei muito do conceito da música que é isso de voltar atrás, mas pra repetir só as coisas boas. E pensando agora no lançamento de “Vem Doce” e que você completou recentemente 20 anos de carreira, o que você repetiria agora, pensando na Vanessa do passado?
Vanessa da Mata: Cara, eu sou muito bem resolvida com a minha carreira, eu tenho um orgulho danado. Acho que eu repetiria tudo. Acho que cada disco, alguns mais de acordo com o meu orgulho, outros menos, também foram momentos da minha vida, então não dá pra tirar, não dá pra surrupiar de mim mesma, de deixar vago. Mas eu adoro o que eu fiz até agora. Claro que eu escuto, eu sou bem autocrítica, às vezes eu escuto e falo “hmm, daria pra ter dado uma melhoradinha”, mas se você for pensar naquele momento, era o que eu gostaria de ter feito o que eu fiz e o que eu podia. Mas eu gosto muito, também me orgulha o fato de ser compositora e de ter peitado isso desde o primeiro disco, que na minha geração não existiam mulheres compositoras, eram sempre mulheres que chegavam com outros compositores homens pra fazer música. Na minha vontade de fazer música eu consegui também fazer desde o início, muitas vezes sozinha, e músicas que se tornaram fortes, grandes, desde sei lá, “Só Você e Eu” nos últimos tempos, que tocou muito esse último disco por exemplo quase chegou a diamante, de platina. E isso é muito forte.
A gente tem compositores bacanas numa geração genial né, Caetano, Gil, aí você fica ouvindo os caras e eles compõem praticamente sozinhos, têm poucas parcerias né, têm 10 parcerias pra 700 e tantas músicas gravadas, isso me enche de orgulho, porque eu acho que isso faz parte psicologicamente inclusive de se sentir forte pra falar, e isso eu acho que é uma conquista feminina. Porque antigamente você tinha Caetano, Chico, que eu vou ver o show hoje, falando para as mulheres, fazendo música para as mulheres, porque as mulheres não faziam música, elas emprestaram a voz e interpretavam o que o cara fazia pra elas, e isso é muito claro da nossa época. Você tinha pouquíssimas, que era a Rita Lee, que pagou um preço terrível, era uma mulher extremamente enfrentada na rua, tinha uma liberdade que custou muito caro, e que custa, e aí você tinha poucas outras que eram mais vistas assim, e inclusive que ficaram de lado por serem mulheres. Porque muitas vezes você faz, faz, faz, mas quando vão apontar lá os 10 melhores compositores do Brasil, não tá a Rita Lee. É terrível.
Realmente. Bom Vanessa, eu adorei muito a nossa conversa, adorei o disco, estou ansiosa pelo lançamento e vi que vem turnê por aí! Muito obrigada pelo seu tempo e pelo nosso papo!
Vanessa da Mata: Obrigada você! Muito obrigada pela atenção, que bom que você ouviu mesmo o disco, porque muita gente não faz o trabalho de casa (risos). Obrigada flor, pelo carinho! Obrigada pela atenção, mesmo.
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