Entrevista: Criolo fala sobre “Ainda Há Tempo” e Lollapalooza

criolo 2016
Foto: Divulgação

Em março, Criolo estará nas edições brasileira e argentina do festival Lollapalooza, com um show repleto de seus sucessos, inclusive do disco “Ainda Há Tempo”, que foi relançado em 2016, ano de seu décimo aniversário. Neste mesmo ano, Criolo colaborou com inúmeros artistas e projetos, como “A Coragem da Luz”, de Rashid, o videoclipe “Minha Lei” do Rael e, mais recentemente, a faixa “Até Amanhã”, do disco “Se Assoprar, Posso Acender De Novo”, que conta com músicas inéditas de Adoniran Barbosa.

Nação da Música conversou com o músico sobre os projetos que participou, as alterações que fez em músicas como “Vasilhame”, e também sobre grafite e a cidade de São Paulo.

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Entrevista feita por Marina Moia.

————————————————————————————————————— Leia a íntegra

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Primeiro, vamos falar do Lollapalooza, onde você se apresenta no mês que vem. Está animado? O que podemos esperar dos shows e da playlist que você está preparando?
Criolo: 
Nós vamos fazer uma história de viajar pelas fases todas, sabe, tanto “Nó Na Orelha”, como “Convoque Seu Buda” e “Ainda Há Tempo”.

O Lollapalooza vai reunir muitas atrações nacionais e internacionais. Você está se programando para assistir alguma ao vivo?
Criolo: 
Olha, eu fico tão concentrado antes da minha apresentação que eu não consigo nem pensar em nada. E depois leva um tempo pra eu voltar. Então, eu quero sim poder viver isso, porque você aprende com todo mundo. O som que você vai escutar, o show, você está aprendendo. Então, depois desse processo todo, eu estando ali, pode ter certeza que vou absorver o máximo de tudo, tudo, tudo, sem exceção.

Você já se apresentou em muitos festivais e também possui sua turnê própria…
Criolo: 
Nossa, fiquei até envergonhado agora. Nunca tinha pensado dessa forma. Fico muito grato.

Sente alguma diferença entre um tipo de show e outro?
Criolo: 
São diferentes porque quando você está num festival, quando você tem oportunidade de cantar para pessoas que nunca ouviram falar do seu som, da sua história, está tudo do zero, então é uma oportunidade única.

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Quando você é convidado pra tocar num festival, não é porque você é uma pessoa conhecida. É porque alguém naquela curadoria achou interessante a sua estética, sua energia, dentro de um conjunto de situações e coisas que vão acontecer ali. Então, é um momento muito especial, que você está sendo contemplado com um convite de um grande festival, que muita gente gostaria de estar participando. E a oportunidade de cantar pra pessoas que nunca ouviram falar do seu trampo, tem essa energia do zero sua e da pessoa, então é muito legal. E a gente canta com o coração e com a alma.

E em relação aos outros shows, que não são de festival, que é algo que você divulga e a pessoa que curte o som ou que já ouviu falar, algum curioso, quer ver como é e cola, a gente canta com a mesma alma, com a mesma energia. Eu conto como diferente a oportunidade de ver essa aura, esse ambiente e a oportunidade de você estar cantando ali pra pessoas que nunca ouviram falar do seu trampo. É diferente, mas tão especial quanto. Não é nem mais e nem menos.

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Pessoalmente, eu também conheci mais do seu trabalho depois de assisti-lo num festival, então é muito legal essa oportunidade de entrar em contato com sons diferentes que esses eventos proporcionam.
Criolo: 
Olha ai, tá vendo só? Bateu!


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No ano passado você relançou “Ainda Há Tempo”, que completou 10 anos, e você recriou as músicas de diversas maneiras, como a letra de “Vasilhame”*, o que gerou uma repercussão muito positiva… (*Criolo alterou a frase “Os traveco tão aí, oh! Alguém vai se iludir” para “O universo tá aí, oh! Alguém vai se iludir”).
Criolo: 
Tinha que mudar. Estava errado, mas eu não sabia que estava errado. Eu usei essa palavra do jeito que passaram pra mim o que era o significado. Eu não sabia que estava causando dor a alguém, eu não sabia que estava causando tristeza a alguém. Eu não sabia que eu estava sendo mal educado e não sabia que estava sendo uma pessoa equivocada. Então, quando caiu a ficha, falei “vamos mudar isso agora!”. Fiz isso com essa letra e com várias outras letras. Às vezes, você dá mancada e você não sabe, mas ser conivente é outra coisa.

Com certeza. Você teve essa oportunidade de aprender… Então como foi sentar e refletir sobre essas canções durante o processo?
Criolo: 
Não, não é que eu tinha aquela visão preconceituosa. Eu estava usando uma palavra do jeito que meu dia a dia e as pessoas ao meu redor usavam. É a mesma coisa quando a pessoa usa a palavra “denegrir”, “tá denegrindo a minha imagem”. Até alguém chegar pra mim e falar “sabia que ‘denegrir’ é ‘tornar negro’ e as pessoas usam ‘denegrir’ como ‘diminuir a pessoa’ e isso é totalmente preconceituoso e racista?”. E eu: “não, eu não sabia, obrigado por me falar”. E dai fui falar pro meu pai, que também usava [a palavra]. É assim. E eu mudei várias coisas.

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Tem uma música minha chamada “Breáco”, escrita 15 anos atrás, que eu falo “Se o demônio usa saia, valorize sua mina”. Na minha cabeça de jovem quase adulto, eu pensei “nossa, to valorizando a namorada”. Não, aliás, também, mas usando um jargão popular que tem um peso, que demoniza a imagem da mulher. E você não saca. Ai depois eu mudei e coloquei “se o demônio da saia”, ou seja se tem alguma coisa mexendo com você, se apegue à sua companheira, valorize a sua mina.

Você vai aprendendo e entendendo cada palavrinha. É impossível saber tudo. Ninguém nasce sabendo, então ter a oportunidade de você fazer essas correções é valoroso demais.

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Então tem várias coisinhas. Naquela “as vadia quer, mas nunca vão subir” [Da música “Subirusdoistiozin”], eu estava falando daquelas pessoas que usam outras pessoas como trampolim social. Aí eu conversei com uma amiga minha, conversei com outra pessoa, uma fã chegou pra mim e falou “Kleber, isso aqui que você tá falando, isso não tá legal”. Dai eu pensei, chamei uma amiga minha, super feminista, artista maravilhosa, e pedi “me ajuda porque não to me sentindo bem”. Ela chegou pra mim e falou “Kleber, vamo lá, o que você queria falar com isso?”. Eu disse que queria falar isso, isso e isso. E ela “então não tem nada a ver. É ignorância da sua parte. Vamos corrigir isso”. Passou umas duas semanas e ela falou “Tenho a solução pra você, Kleber! ‘Vazias’. Pra você não perder a rima, pessoas ‘vazias’, que querem, mas nunca vão subir”. Que alento na minha alma! Que enriquecimento! E não custa nada, gente. Não custa nada.

E isso é jargão popular. Tem muita gente usando jargão popular de coisas extremamente horríveis, mas você não pode sair com a metralhadora atirando em todo mundo. O meu pai é neto de escravos, eu sou bisneto de escravos, e ele usava a palavra “denegrir” até ontem. E ele é racista? Com certeza não é.

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Como as coisas chegam pra gente num país desse “tamanhão”, onde nossa escola é sucateada, onde tudo que é voltado pra cultura e educação numa construção real de compreensão de texto, de construção da palavra, é recortado, é pulverizado, nos é jogado de qualquer jeito. Tudo tem um reflexo. Eu tenho a sorte de ter pessoas do meu lado que chegam pra mim e me dão um toque. Quem não tem e está com o coração bom, daqui a pouco vai levar uma baita paulada. Então, não custa nada. Vamo lá, tá errada a palavra? Tira e coloca outra ai. Vamos melhorar. Não há problema nisso.

Essas pessoas já sofrem demais. Simplesmente por terem um jeito de se expressar diferente, ter um jeito de amar diferente. E é tão louco que a gente tem ainda que organizar essa frase. Por que esse jeito de amar é diferente? É um jeito de amar. Tá vendo como a palavra é viva? Agora, quantos trabalhadores, quantas pessoas tem tempo pra se debruçar na construção do verbo vivo se acordo às 04 da manhã e durmo meio-noite? Se vivo no trabalho e não vejo meu filho? A mudança acontece e isso é riquíssimo.

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Pretende lançar um álbum de inéditas em 2017? Dar um gostinho de música nova no show do Lollapalooza?
Criolo: 
Olha, seria uma dádiva, não é? Mas eu ainda sou muito cafézinho com leite, eu ainda to comendo arroz com feijão… Ainda estou criando sustância pra fazer mais canções e tenho certeza que de algum jeito elas vão vir pro mundo. É que eu tenho que dar o tempo delas pra elas. Eu não sou o dono delas.

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Em 2016, você participou do álbum “Se assoprar, posso acender de novo”, com músicas do Adoniram Barbosa. Como surgiu o convite e como foi participar do projeto?
Criolo: 
Nossa senhora, isso foi uma loucura, não é? O rapaz chegou e falou aqui no escritório, o escritório chegou e falou pra mim “Olha, está sendo feito um trabalho, um documentário, de um pessoal muito sério, com a família do Adoniran. Eles acharam uma caixa de sapato que tinha músicas dele de 30 anos atrás, músicas inéditas, e vão levantar um álbum e gostariam que você participasse”. Eu, pra mim, imaginei que estava dentro de um filme e que ia acabar o filme e eu estava boiando. Porque é surreal você ser convidado pra tocar uma música inédita do Adoniran. É um presente que você recebe.

Foi espetacular, um momento sublime. Liniker cantou lindamente, o Ney Matogrosso, se você escutar a interpretação dele naquele álbum, você começa a chorar de emoção. Então poder estar do lado dessas tantas gerações, de talento puro… ainda tem mais isso, não é? Então, pra mim é gratidão dos pés à cabeça mesmo.


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Você também esteve no álbum do Rashid [“A Coragem da Luz”], do Apolo [“Apologia”], participou do clipe “Minha Lei”, do Rael. Pra você, qual a importância dessa troca de sons e trabalhar com tantos artistas de gerações diferentes?
Criolo: 
É o seguinte, na verdade o Rael eu conheço desde muito pequenininho, antes dele cantar. Ele ia pra formaturas que eu ia cantar três, quatro músicas, e ficava lá do lado de fora. Ele, o Apolo, o Massao, praticamente quase todo o núcleo do extinto grupo Pentágono. Conheço há muito anos, então poder participar, poder viver esses lances é muito legal. Esse disco que o Apolo ta lançando, essa música que eu gravei tem, meu Deus, oito anos, e tá vindo agora, então é muito legal.

Quando é de coração, quando é uma coisa muito bacana, eu acho muito legal. Os nossos artistas tem muito disso, de você fazer uma colaboração, de estar ali porque tem alguma coisa ali, seja uma história antiga, da sua caminhada, ou algo novo, mas que é algo forte, algo que dê um sentido. Isso é muito, muito bom.

Recentemente, participei do álbum maravilhoso do Verocai, que acabou de lançar um disco espetacular, Seu Jorge está participando, Mano Brown está participando, então a gente vai vivendo esses pequeninos presentes. O disco do Verocai, participar do clipe do Rael, poder estar numa coisinha ali, outra aqui… O Rashid é um menino maravilhoso, um grande rimador…

Em janeiro, você postou a foto de um grafite sendo apagado, e essa arte é algo que está muito ligado ao rap, à música. Gostaria de saber um pouco mais da sua opinião sobre o que está acontecendo neste momento na cidade de São Paulo. Como o rap se encaixa nisso?
Criolo: 
O rap vem há 30 anos falando de um monte de coisas. Agora, uma coisa que é muito importante, que parece que se torna cada vez mais difícil, é de verdade existir um diálogo. Eu acho que esse é o grande ponto. Do mesmo jeito que demorou antes pra entender o que significava aquele jargão popular de verdade. Porque nós vamos absorvendo uma série de coisas que vão sendo jogadas pra gente. Tem gente que realmente acha que grafiteiro é um marginal e que é uma pessoa que tem que estar atrás das grades, porque alguém falou isso pra ela. E alguém falou de um jeito, como uma verdade ali.

Se não houver um diálogo, se não houver uma construção, se não houver um jeito de se criar ambiente pra gente poder ter uma construção de pensamento, você ter a sua construção de pensamento de forma saudável, só vai existir atrito, só vai existir briga, só vai existir imposição. Ninguém consegue nada com imposição. Eu acho que falta isso, falta esse diálogo, falta ver quais as reais necessidades de cada lugar, de cada povo, de cada oca, de cada condado, de cada vilarejo, de cada megalópole.

Eu vejo, e todo mundo vê, pessoas, cidadãos da nossa cidade, comendo comida do lixo. Isso não é uma cidade linda. Agora, como a gente vai alcançar isso? Se a cada pessoa que vem, já herda uma herança de erros de centenas de anos? Como parar isso? Quais os interesses reais de quem não quer que essa indústria da desgraça da cidade de São Paulo acabe? Quem ganha com a tristeza? Quem ganha com a fome? Quem ganha com a depressão? Depressão vende remédio? Tristeza vende remédio? Que tipo de ambiente você cria para um pai de família? Pra ele se sentir digno dentro de casa, pra ganhar o mínimo, o básico pra sua família e ter tempo de ouvir seu filho? São pequenas coisas que não são pequenas. Que são tidas como pequenas, mas que são grandes alicerces de modificação de uma sociedade. É mais ou menos isso, ou nada disso.

Pra finalizar, vocês gostaria de deixar uma mensagem pras pessoas que te acompanham, seus fãs, que vão ler essa entrevista?
Criolo: 
Muita coisa vai acontecer em 2017, muita coisa vai acontecer em 2017… Os nosso meninos não estão pra brincadeira.

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Marina Moia
Marina Moia
Jornalista e apaixonada por música desde que se conhece por gente.