Como já anunciado aqui, Criolo divulgou na última semana uma releitura de seu primeiro álbum de estúdio. “Ainda Há Tempo” foi lançado em 2006 ainda com o nome de Criolo Doido – título usado pelo rapper até 2011. Foram dez anos desde o lançamento original, anos marcados por muitas mudanças e visível amadurecimento.
Em conversa com a Nação da Música na última quarta-feira (11), Criolo relembrou alguns momentos de sua jornada até agora e nos contou qual foi o intuito em relançar o disco. Entrevista por Veronica Stoldonik.
—————————————————————————————— Leia a íntegra
NM: Da onde surgiu a ideia de regravar o disco Ainda Há Tempo?
Criolo: Bom, na verdade, a gente pensou em primeiro lugar fazer um show para celebrar os dez anos do Ainda Há Tempo. Era só isso. A gente nunca fez um show dele né, nunca teve nenhum show na verdade, o Ainda Há Tempo nesses dez anos de vida dele. E aí o Daniel fez todos os bitmakers pra chegar junto nesse lance. Aí pensando num show, a gente convidou o Alexandre Orion para fazer a direção de arte. Quando a gente foi ver, já tinha muita gente envolvida, uma energia muito boa. E aí a gente falou “vamos registrar isso fotograficamente, vamos fazer esse disco”. Foi assim. Mas a ideia inicial era de fazer algumas apresentações pra celebrar isso, não fazer um disco.
NM: E como foi trazer tantos nomes diferentes e consagrados a bordo do projeto?
Criolo: Foi muito gostoso. São pessoas que alguns a gente conhece muito bem, são amigos da gente, pessoas que a gente admira; outros são pessoas que a gente admira e a partir disso a gente passou a conhecer a pessoa, e aí gente foi lá e fez o convite. Foi bem tranquilo.
NM: Você está feliz com o resultado final, tão diferente do original?
Criolo: Olha, só de eles darem o ok para participar, e alguns falarem “po, já conheço o som, já curtia, que legal que você convidou”, isso pra mim já me deixou já satisfeito (risos). Eles fizeram um trabalho lindo, ta muito bonito.
NM: Realmente, ficou bem bacana o projeto!
Criolo: Exato! (risos)
NM: O que você acha que mudou no Criolo de 2006, de quando lançou Ainda Há Tempo pela primeira vez, e o Criolo de hoje?
Criolo: Mas em que sentido você quer saber, de tudo da minha vida? Eu tenho 40 anos já, não dou mais aquele pique nos 100 metros como eu dava quando tinha 30 (risos).
NM: Mas musicalmente, o que você acha que mudou na sua trajetória?
Criolo: Essa trajetória, ela se constrói até o último dia da sua vida né. O seu trajeto né, de vida, que tem música também. Uma coisa não se separa da outra; eu sou um cidadão comum e tenho o meu dia-a-dia igual a todas as outras pessoas. Mas eu e Dan Dan, eu digo muito do Dan Dan que sempre esteve comigo, a gente sempre tem tido a oportunidade de ver coisas maravilhosas; isso tem sido uma experiência tão rica e importante quanto há dez, quinze, vinte anos atrás, a gente na nossa “manjedora” artística né, que foi a época que foi o começo do rap pra gente, a gente experimentando tudo aquilo que era novo, que era emocionante, que dava força de vontade pra você passar mais um dia sabe? Pra você se expressar, dividir suas ideias, suas energias, suas emoções. Então, isso tem acontecido de muitas outras formas também agora.
NM: Pelo que eu já li sobre a sua história, eu acredito que podemos dizer que a arte, de um modo geral, faz parte da sua essência—fora o rap você já se aventurou em atuar, escreve poesias, também apoia e participa de movimentos de graffiti e fotografia, dentre outras. Da onde vem essa paixão e dedicação pela arte?
Criolo: Eu acho que todo brasileiro tem isso, é algo natural nosso; nós somos um povo muito cultural, muito lindo. Nós somos um povo muito maravilhoso. E minha mãe me deu muito bom exemplo; minha mãe é uma pessoa que ama a palavra, ama as artes, uma pessoa que dedicou a vida a fomentar com o bairro, dentro de casa, na nossa rua.
NM: Com qual dessas facetas você acredita que mais se identifica fora a música?
Criolo: Eu acho que sou um aprendiz de tudo, viu? Arte é arte; sim, ela tem vários modos de se apresentar, mas no final de tudo é uma energia que te move e que lembra que você ta vivo. Então, é bom se sentir vivo.
NM: E além disso tudo você também foi educador por doze anos—você se importa de dividir um pouco da experiência com a gente?
Criolo: Olha, é—eu trabalhei por sete anos com crianças de um projeto social e por cinco anos estive em sala de aula, e foram uma das coisas mais importantes que já aconteceram na minha vida! Foi poder aprender com esses jovens, essas crianças, e inclusive esses adolescentes, e ter um exemplo tão positivo de educadores, oficineiros, e professores que são como um ponto de luz em cada lugar do mundo, assim; são muito especiais. Então, eu era muito jovem ainda quando isso tudo começou, então foi de um aprendizado que eu tenho muita gratidão, a cada uma dessas pessoas—cada educador, oficineiro, professor—cada uma dessas pessoas que eu passei na vida delas, elas passaram na minha, e criança, cara. Criança ensina muita coisa pra gente, é muito especial. E aí você vai entendendo um pouco como a nação olha essa criança e pra esse professor também né, aprendendo um pouco de tantas coisas ao mesmo tempo.
NM: O seu trabalho vem sempre acompanhado de uma crítica social muito forte, o que eu imagino ter a ver não só com a situação atual da sociedade, mas também de muitas das suas próprias experiências pessoais. Você teve a oportunidade de ver os dois lados da moeda—você vem de uma criação humilde, e o rap lhe abriu portas pra poder viajar e conhecer o mundo. Como que essas experiências te influenciaram e mudaram o seu ponto de vista, o seu jeito de pensar?
Criolo: Os dois lados da moeda já é um termo pra quem tem moeda, né? Já é um termo forte. Mas em falar de uma moeda enquanto quem busca a se melhorar e quem busca conhecimento, vamos pensar; vamos brincar, então. Vamos fazer uma analogia que essa moeda é esse processo do conhecer; conhecer o outro, e tudo que está ao seu redor ser uma face, e procurar o auto-conhecimento ser a outra face dessa moeda. A música proporciona isso; a música, ela te proporciona um sentimento de estar vivo, e a partir daí tudo é possível. O rap em particular sempre foi algo que me deu muita força, como alguém que ta ali, um irmão mais velho que te apoia pro dia-a-dia na vida, então… Isso não muda. Música, isso aí não muda na minha vida; música é uma coisa extremamente importante pra mim.
NM: Foi com o álbum Nó Na Orelha que você ganhou a atenção da mídia e passou a ter um maior reconhecimento do público, o que te proporcionou poder trabalhar com grandes nomes da música brasileira, de Caetano Veloso a Ivete Sangalo. Como você vê essas colaborações com outros artistas? Como foi poder trabalhar com tantas pessoas diferentes?
Criolo: Foi muito positivo, muito maravilhoso. Importante, tão importante quanto as pessoas que eu dividi palco em cada escola, em cada festinha de bairro, em cada garagem, cada rua; os embalos de 92, eu vejo tão importante quanto esse processo de primeiro aprendizado que é o palco, o que é essa energia da música, o que que te leva a perder a vergonha e cantar. Eu vejo com o mesmo valor; essas etapas da vida eu guardo com o mesmo carinho e com a mesma importância. E foi bastante gente, viu?
NM: E falando no álbum Nó Na Orelha, você já disse muitas vezes que não faz música por dinheiro, mas fora isso, o que te motivou a lança-lo gratuitamente?
Criolo: Ah, eu acho que a gente aprendeu isso no nosso dia-a-dia mesmo. A gente pegava e fazia música e deixava disponível pras pessoas. Foi um processo natural isso—por que não fazer isso com os outros discos, com as outras coisas que vem depois? O Ainda Há Tempo já lançou e ta gratuito também.
NM: Como você ve a cena do Rap brasileiro hoje em dia?
Criolo: Olha, do que está próximo a mim, do que minha vista consegue alcançar, é muito maravilhoso, muito grande, importante. E eu acredito que seja assim em todo território nacional, que a gente ta falando de um país continente, né? No meu bairro é quase um milhão de habitantes; eu não consigo descrever pra você a cena rap atual de hoje de lá de tanta a gente envolvida, entende? Mas desse recorte, de tantos recortes que eu tive o prazer de presenciar de algumas partes do Brasil e em algumas partes da minha região da Zona Sul de São Paulo, eu tenho uma ideia de é realmente algo importante e grande, grande de grande energia, pelo Brasil todo.
NM: Uma coisa que eu considero muito bacana no rap brasileiro é que ele tem uma não só crítica social, mas ele fala de coisas importante do cotidiano, e quando você rap de outros lugares do mundo, como por exemplo dos Estados Unidos, é uma coisa bem comercial; se fala muito de dinheiro, mulheres, sexo e drogas. Isso é bem interessante de ver o contraste, por que o rap brasileiro me parece ser uma coisa que flui de um jeito melhor; mais natural, podemos dizer.
Criolo: Olha, que não flui natural lá eu não posso afirmar se sim ou se não; mas aqui, pelo menos pra mim, em 87/88 quando isso veio pra mim, veio como alguém que estava descrevendo a minha história no meu bairro, isso foi muito forte pra mim; estava descrevendo o nosso corre do dia-a-dia, corre de nossos pais.
NM: Quando você começou a fazer música, quando você estava interessando em fazer rap, qual foi a sua motivação por trás disso?
Criolo: Ah, não é que você ta interessado em fazer tal coisa; quando você vai ver, aconteceu. Quando eu comecei a escrever eu tinha 11 anos de idade; eu comecei a escrever minhas primeiras rimas com 11 anos de idade, não da pra racionalizar isso assim, “eu fui racional, eu pensei que ia fazer tal coisa pra isso, isso e isso”. Não, é um modo que eu encontrei de me expressar; através do rap eu encontrei um meio de me expressar.
NM: Bom, muito já foi falado sobre a sua música, mas e sobre o que você ouve? Tem algum artista legal que você tem ouvido recentemente e quer dividir com a gente?
Criolo: Olha, eu escuto muita coisa, muita música africana, tenho escutado— eu ganhei um presente, uma coletânea de música caribenha dos anos 70; eu continuo escutando Bezerra da Silva, Milton Nascimento, continuo escutando Moreira da Silva… Continuo escutando as músicas de sempre, escuto muitas músicas que minha mãe gosta, que é bom de escutar música com ela junto; por que não é só escutar a música, é tudo que ta ao redor, aquela música te marca por isso também. A energia que cada pessoa dedica ao seu trampo, isso é muito grande; é difícil da gente fazer um recorte assim, “eu to escutando isso, isso e isso”.
NM: Pra finalizar: você tem algum recado, ou um verso pra dividir com a galera que te acompanha e visita o Nação da Música?
Criolo: Uma mensagem que eu digo é nunca se distancie dos seus sonhos; não perca a fé no ser humano. E deixo aqui um abraço sincero, uma boa energia a todo professor e a todos os alunos que estão lutando por uma melhoria da educação no Brasil.
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