Resenha: “FÚRIA” – Urias (2022)

Urias
Foto: Divulgação / Capa do álbum “FÚRIA”

Desde 2019, com seu single de estreia “Diaba” e as palavras “Muito prazer, sou o oitavo pecado capital” nos introduzindo a ela, Urias sempre teve uma característica frequente em sua obra: a intensidade e o poder que a raiva dá a uma mulher marginalizada.

Utilizando diversas frases usadas para oprimir mulheres trans e negras, Urias reclama estes termos e os transforma em potência, especialmente em faixas como “Diaba”, “Racha” e até “Cadela”, as duas últimas de seu mais novo álbum, o debut “FÚRIA”, lançado na última quinta-feira (13), como noticiamos aqui na Nação da Música.

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No entanto, neste disco, a real estreia de Urias, a cantora e rapper retira diversas camadas e também expressa muito de sua sentimentalidade nas treze faixas que compõem o projeto. Por cima das batidas eletrônicas, hip-hop e experimentais de Gorky, Maffalda e Zebu, Urias apresenta um range de emoções que vai da confiança inabalável à solidão introspectiva.

Começando com uma “Intro”, Urias expressa sua suposta maldade, dizendo que está prestes a se tornar uma pessoa horrível, com a batida transicionando direto para a resistente “Pode Mandar”, que conta com a participação do cantor e rapper Vírus.

Com um ritmo mais lento, os dois artistas expressam as dificuldades de ser uma pessoa negra no Brasil. “Vou botar fogo em nome do meu povo” é como Urias inicia o seu segundo verso e fala perfeitamente sobre a resistência sólida construída e sentida por ela.

Em sua seção, Vírus utiliza um flow mais melódico para expressar a sua reclamação das coisas que realmente merece, impedindo qualquer subestimação ou falta de consideração por sua pessoa, que completamente se recusa a ser menos que seu completo potencial.

A batida metálica reminiscente ao hyperpop e o hip-hop experimental é constante durante os dois minutos e meio de “Racha”, e a confiança inabalável de Urias é a emoção que nos guia ao longo da faixa.

Além de ser o primeiro single revelado de “FÚRIA”, esta canção mostra o potencial da artista como rapper além de cantora, usando a voz característica para lançar versos rápidos e poderosos, como “Sua burrice é tipo nitro pra mim / E o seu ódio só me faz querer mais”.

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Foi Mal é uma das faixas mais sentimentais do projeto, usando um ritmo R&B com influências brasileiras para construir uma aura na qual a artista consegue ser totalmente honesta sobre seu papel de protagonista no fim de um relacionamento, percebendo sua culpa junto com uma reflexão sobre seus próprios defeitos.

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Com versos como “Num deslize, comi seu coração”, Urias consegue traçar uma narrativa de fim de um relacionamento, contando com momentos fortemente visuais e uma grandiosidade implementada em sua voz, que com suas mudanças e tons consegue englobar o papel de vítima e culpada ao mesmo tempo.

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A próxima canção é “Aposta” e une a honestidade e sensibilidade de “Foi Mal” com a confiança e força de “Racha”. Com um primeiro verso falando sobre um homem que tentou fingir que Urias era a errada em seu relacionamento, no entanto, o segundo verso apresenta um dos flows mais rápidos da artista.

“Só saio do meu trono se eu for ovacionada” é uma rima que narra o valor que a cantora e rapper coloca em si mesma, mas também o esforço e valorização que ela insere em todos os seus produtos. A batida da faixa é variável da mesma forma que é a maneira que ela solta seus versos, mudando de flow e sendo verdadeiramente versátil.

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Cadela” é mais uma das faixas que compôs a primeira parte do álbum, lançada anteriormente, e é quase uma continuação de um dos ‘alter egos’ de Urias. Imagens caninas e referências como coleiras e uivos já estão presentes em sua obra desde o primeiro EP e solidificam-se nesta faixa.

A canção conta com uma mescla de sons metálicos, um hip-hop tradicional e diversos latidos para completar a aura selvagem que forma o lado intocável da artista. Brincando com as palavras, separando uma seção para ordenar o ouvinte como se fosse seu cachorro, Urias criou uma faixa que transmite uma atmosfera inabalável.

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Continuando o disco, mais uma parceria compõe a sétima faixa. “Explícito” conta com a voz do cantor Hodari e é um R&B sensual sobre uma noite casual de encontros, no qual os dois dedicam-se a dar prazer completo um para o outro. Na primeira seção, Urias usa seus vocais marcantes para puxar o ouvinte para seus sapatos e fazê-lo sentir seu desejo.

Para completar isto, Hodari surge como o companheiro do eu lírico, prometendo cumprir todas as demandas da artistas e cumprir seu pedido por um relacionamento “explícito”. No final da faixa, os dois quase conversam, com versos intercalados, descrevendo a noite que vão passar. A faixa é toda construída sobre uma batida que dá um senso de urgência para os desejos de Urias, sendo ela como a trilha sonora de um vigilante noturno.

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“Tirando dinheiro até da minha saúde pra completar dinheiro de videoclipe” é uma das frases mais fortes do “Interlude”, no qual Urias discursa sobre a dificuldade que é ser uma mulher trans e negra dentro do mercado do entretenimento, inclusive explicando seu sentimento de raiva vindo disto.

Logo depois temos uma das faixas mais voltadas ao hip-hop clássico do projeto inteiro, mas ainda adicionando o toque Urias, com uma leve guitarra embaixo dos seus próprios versos exuberantes e dos de sua parceria, Charm Mone. “Classic” é rima atrás de rima, mostrando o domínio vocal do espanhol e inglês também.

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Fazendo trocadilhos com nomes de grandes grifes e marcas, as duas rappers brilham com um tom de voz deliciosamente arrogante e luxuoso – criando uma aura inegavelmente rica e confiante no ouvinte durante seus pouco mais de dois minutos.

Marcando a décima faixa do “FÚRIA”, “Peligrosa” foi o single principal da primeira metade do álbum e é onde a raiva de Urias mostra-se tão completamente e poderosamente que é difícil não se sentir intimidade pela artista enquanto ela se dedica 100% às suas rimas. “Ou danço em paz ou começo uma chacina” é um exemplo de como a cantora e rapper utiliza figuras violentas para expressar uma resistência única.

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A produção conta com sons agudos e sirenes, além de explosões mescladas com um toque de Reggaeton latino – combinando perfeitamente com os versos em espanhol que dominam diversos momentos da faixa. Impossível de ignorar a intensidade de “Peligrosa”, o trio de produtores criou uma batida que combinou perfeitamente com os temas da composição.

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É Tudo Meu” começa intimidadora e curiosamente aterrorizante, com a voz de Urias soando distante ou abafada, como se estivéssemos nos afogando enquanto a artista continua seu plano malévolo. No entanto, as letras declaram a sua reclamação de potenciais e talentos que anteriormente a foram negados.

Podendo ser considerada uma música de origem para sua faceta intocável e inabalavelmente confiante, a faixa constrói uma Urias que tem certeza do que procura e vai fazer tudo o que precisa para crescer ou manter-se no topo, tudo isto por cima de um ritmo que na sua repetição vai adicionando mais fatores e sintetizadores.

Outra faixa que fez parte da primeira metade do disco, “Maserati” é um destaque inegável, uma união de poderes do rap e hip-hop que instila confiança em quem ouve. A junção dos flows de Urias, Monna Brutal e Ebony, tão diferentes, é feita perfeitamente, sem fazer parecer a qualquer momento que as parcerias estão em outros ritmos ou algo assim.

Esta é um exemplo de como um feat de hip-hop é feito, respeitando o estilo de cada artista, mas, mesmo assim mesclando elas em quase um supergrupo de rap. O fato de que a música não tem um refrão nem é perceptível porque os versos transbordando talento ocupam o protagonismo completamente.

Em uma mudança completa de aura e tema, “Tanto Faz” é sem dúvida a música mais sentimental que Urias já lançou até hoje, estando ao lado do single impecável “Andar em Paz”. Por cima de uma guitarra elétrica e um efeito que faz a música parecer gravada ao ar livre, a artista abre seu coração e derrama sua solidão em cima do ouvinte.

Sentindo que seu interesse amoroso a vê como “tanto faz”, Urias implora pela atenção desta pessoa e destaca seu status só em frente ao duro tratamento que está enfrentando. Com reflexões sobre silêncio, ignorância e dualidade entre liberdade e completa solidão, “Tanto Faz” dói no quanto a artista inclui de suas emoções na sua voz.

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O primeiro álbum de Urias é uma surpresa, até para alguém que, como eu, vê-se como grande fã da cantora. A maneira com que a artista se abre em diversas destas faixas, mas sem perder a aura intocável e inabalável pela qual é conhecida e amada, é feita com tanta maestria que é difícil entender que este é seu primeiro grande projeto.

A produção é experimental e envolvente, criando um caminho inovador para a música brasileira. Com sons metálicos, inúmeras influências e muita genialidade, o trio de produtores harmonizou com Urias a sonoridade para cada uma das canções, criando um disco em que a estrela brilha inegavelmente.

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Pedro Paulo Furlan
Pedro Paulo Furlan
Estudante de jornalismo, não-binárie e apaixonade por música. Sempre aberte para ouvir qualquer gênero, artista ou década. O universo do pop, principalmente hyperpop, k-pop e synthpop, é onde eu vivo e sobrevivo.
Em “FÚRIA”, Urias brilha em todas as suas faces, recusando a esconder sua sentimentalidade, seu poder, sua autoconfiança e seu talento. Com mostras de vocais versáteis e transmutáveis, além de rimas inteligentes e flows marcantes, a artista explode todas as expectativas.Resenha: "FÚRIA" - Urias (2022)