Desde 2019, com seu single de estreia “Diaba” e as palavras “Muito prazer, sou o oitavo pecado capital” nos introduzindo a ela, Urias sempre teve uma característica frequente em sua obra: a intensidade e o poder que a raiva dá a uma mulher marginalizada.
Utilizando diversas frases usadas para oprimir mulheres trans e negras, Urias reclama estes termos e os transforma em potência, especialmente em faixas como “Diaba”, “Racha” e até “Cadela”, as duas últimas de seu mais novo álbum, o debut “FÚRIA”, lançado na última quinta-feira (13), como noticiamos aqui na Nação da Música.
No entanto, neste disco, a real estreia de Urias, a cantora e rapper retira diversas camadas e também expressa muito de sua sentimentalidade nas treze faixas que compõem o projeto. Por cima das batidas eletrônicas, hip-hop e experimentais de Gorky, Maffalda e Zebu, Urias apresenta um range de emoções que vai da confiança inabalável à solidão introspectiva.
Começando com uma “Intro”, Urias expressa sua suposta maldade, dizendo que está prestes a se tornar uma pessoa horrível, com a batida transicionando direto para a resistente “Pode Mandar”, que conta com a participação do cantor e rapper Vírus.
Com um ritmo mais lento, os dois artistas expressam as dificuldades de ser uma pessoa negra no Brasil. “Vou botar fogo em nome do meu povo” é como Urias inicia o seu segundo verso e fala perfeitamente sobre a resistência sólida construída e sentida por ela.
Em sua seção, Vírus utiliza um flow mais melódico para expressar a sua reclamação das coisas que realmente merece, impedindo qualquer subestimação ou falta de consideração por sua pessoa, que completamente se recusa a ser menos que seu completo potencial.
A batida metálica reminiscente ao hyperpop e o hip-hop experimental é constante durante os dois minutos e meio de “Racha”, e a confiança inabalável de Urias é a emoção que nos guia ao longo da faixa.
Além de ser o primeiro single revelado de “FÚRIA”, esta canção mostra o potencial da artista como rapper além de cantora, usando a voz característica para lançar versos rápidos e poderosos, como “Sua burrice é tipo nitro pra mim / E o seu ódio só me faz querer mais”.
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“Foi Mal” é uma das faixas mais sentimentais do projeto, usando um ritmo R&B com influências brasileiras para construir uma aura na qual a artista consegue ser totalmente honesta sobre seu papel de protagonista no fim de um relacionamento, percebendo sua culpa junto com uma reflexão sobre seus próprios defeitos.
Com versos como “Num deslize, comi seu coração”, Urias consegue traçar uma narrativa de fim de um relacionamento, contando com momentos fortemente visuais e uma grandiosidade implementada em sua voz, que com suas mudanças e tons consegue englobar o papel de vítima e culpada ao mesmo tempo.
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A próxima canção é “Aposta” e une a honestidade e sensibilidade de “Foi Mal” com a confiança e força de “Racha”. Com um primeiro verso falando sobre um homem que tentou fingir que Urias era a errada em seu relacionamento, no entanto, o segundo verso apresenta um dos flows mais rápidos da artista.
“Só saio do meu trono se eu for ovacionada” é uma rima que narra o valor que a cantora e rapper coloca em si mesma, mas também o esforço e valorização que ela insere em todos os seus produtos. A batida da faixa é variável da mesma forma que é a maneira que ela solta seus versos, mudando de flow e sendo verdadeiramente versátil.
“Cadela” é mais uma das faixas que compôs a primeira parte do álbum, lançada anteriormente, e é quase uma continuação de um dos ‘alter egos’ de Urias. Imagens caninas e referências como coleiras e uivos já estão presentes em sua obra desde o primeiro EP e solidificam-se nesta faixa.
A canção conta com uma mescla de sons metálicos, um hip-hop tradicional e diversos latidos para completar a aura selvagem que forma o lado intocável da artista. Brincando com as palavras, separando uma seção para ordenar o ouvinte como se fosse seu cachorro, Urias criou uma faixa que transmite uma atmosfera inabalável.
Continuando o disco, mais uma parceria compõe a sétima faixa. “Explícito” conta com a voz do cantor Hodari e é um R&B sensual sobre uma noite casual de encontros, no qual os dois dedicam-se a dar prazer completo um para o outro. Na primeira seção, Urias usa seus vocais marcantes para puxar o ouvinte para seus sapatos e fazê-lo sentir seu desejo.
Para completar isto, Hodari surge como o companheiro do eu lírico, prometendo cumprir todas as demandas da artistas e cumprir seu pedido por um relacionamento “explícito”. No final da faixa, os dois quase conversam, com versos intercalados, descrevendo a noite que vão passar. A faixa é toda construída sobre uma batida que dá um senso de urgência para os desejos de Urias, sendo ela como a trilha sonora de um vigilante noturno.
“Tirando dinheiro até da minha saúde pra completar dinheiro de videoclipe” é uma das frases mais fortes do “Interlude”, no qual Urias discursa sobre a dificuldade que é ser uma mulher trans e negra dentro do mercado do entretenimento, inclusive explicando seu sentimento de raiva vindo disto.
Logo depois temos uma das faixas mais voltadas ao hip-hop clássico do projeto inteiro, mas ainda adicionando o toque Urias, com uma leve guitarra embaixo dos seus próprios versos exuberantes e dos de sua parceria, Charm Mone. “Classic” é rima atrás de rima, mostrando o domínio vocal do espanhol e inglês também.
Fazendo trocadilhos com nomes de grandes grifes e marcas, as duas rappers brilham com um tom de voz deliciosamente arrogante e luxuoso – criando uma aura inegavelmente rica e confiante no ouvinte durante seus pouco mais de dois minutos.
Marcando a décima faixa do “FÚRIA”, “Peligrosa” foi o single principal da primeira metade do álbum e é onde a raiva de Urias mostra-se tão completamente e poderosamente que é difícil não se sentir intimidade pela artista enquanto ela se dedica 100% às suas rimas. “Ou danço em paz ou começo uma chacina” é um exemplo de como a cantora e rapper utiliza figuras violentas para expressar uma resistência única.
A produção conta com sons agudos e sirenes, além de explosões mescladas com um toque de Reggaeton latino – combinando perfeitamente com os versos em espanhol que dominam diversos momentos da faixa. Impossível de ignorar a intensidade de “Peligrosa”, o trio de produtores criou uma batida que combinou perfeitamente com os temas da composição.
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“É Tudo Meu” começa intimidadora e curiosamente aterrorizante, com a voz de Urias soando distante ou abafada, como se estivéssemos nos afogando enquanto a artista continua seu plano malévolo. No entanto, as letras declaram a sua reclamação de potenciais e talentos que anteriormente a foram negados.
Podendo ser considerada uma música de origem para sua faceta intocável e inabalavelmente confiante, a faixa constrói uma Urias que tem certeza do que procura e vai fazer tudo o que precisa para crescer ou manter-se no topo, tudo isto por cima de um ritmo que na sua repetição vai adicionando mais fatores e sintetizadores.
Outra faixa que fez parte da primeira metade do disco, “Maserati” é um destaque inegável, uma união de poderes do rap e hip-hop que instila confiança em quem ouve. A junção dos flows de Urias, Monna Brutal e Ebony, tão diferentes, é feita perfeitamente, sem fazer parecer a qualquer momento que as parcerias estão em outros ritmos ou algo assim.
Esta é um exemplo de como um feat de hip-hop é feito, respeitando o estilo de cada artista, mas, mesmo assim mesclando elas em quase um supergrupo de rap. O fato de que a música não tem um refrão nem é perceptível porque os versos transbordando talento ocupam o protagonismo completamente.
Em uma mudança completa de aura e tema, “Tanto Faz” é sem dúvida a música mais sentimental que Urias já lançou até hoje, estando ao lado do single impecável “Andar em Paz”. Por cima de uma guitarra elétrica e um efeito que faz a música parecer gravada ao ar livre, a artista abre seu coração e derrama sua solidão em cima do ouvinte.
Sentindo que seu interesse amoroso a vê como “tanto faz”, Urias implora pela atenção desta pessoa e destaca seu status só em frente ao duro tratamento que está enfrentando. Com reflexões sobre silêncio, ignorância e dualidade entre liberdade e completa solidão, “Tanto Faz” dói no quanto a artista inclui de suas emoções na sua voz.
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O primeiro álbum de Urias é uma surpresa, até para alguém que, como eu, vê-se como grande fã da cantora. A maneira com que a artista se abre em diversas destas faixas, mas sem perder a aura intocável e inabalável pela qual é conhecida e amada, é feita com tanta maestria que é difícil entender que este é seu primeiro grande projeto.
A produção é experimental e envolvente, criando um caminho inovador para a música brasileira. Com sons metálicos, inúmeras influências e muita genialidade, o trio de produtores harmonizou com Urias a sonoridade para cada uma das canções, criando um disco em que a estrela brilha inegavelmente.
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