Resenha: “Pirata” – Jão (2021)

Jão
Divulgação / Capa

Jão encontrou o equilíbrio perfeito entre sertanejo e pop. Não, isso não é para dizer que “Pirata” é um disco sem defeitos, e nem que essa mistura em si seja um problema, mas, sim, que ele achou uma maneira de mesclar estes dois gêneros, que parecem tão diferentes, que é completamente nova e tem quantidades iguais dos dois. Antes de qualquer coisa, isso por si só já é admirável.

O novo álbum do cantor paulista saiu na segunda quinzena de outubro, no dia 19, como você pôde conferir aqui na Nação da Música. Com onze faixas, Jão explora relacionamentos, sua própria relação consigo mesmo, sua sexualidade e ‘melodifica’ tudo que conta, em narrativas complexas e envolventes.

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Há momentos no disco em que ele não consegue decidir se quer fazer um pop dançante ou uma moda sertaneja sentimental, tacando-se nos dois gêneros, criando alguns pedaços polarizantes. Para entender além disso, vem ler a nossa resenha de “Pirata”!

Na primeira canção, Jão já mostra um pouco dessa sua indecisão artística. Enquanto “Clarão” é emotiva e descritiva, com frases como “Lembranças antigas, meninos, meninas, um carro para o mar”, a batida que nasce no primeiro refrão da música é uma decisão interessante, adicionando esse tom eletrônico e quase ‘dubstep’. No entanto – em um projeto marítimo, vamos usar metáforas de mar – o ritmo instável é uma escolha complicada porque engole, como uma onda, as letras de Jão, que segura com todas as forças a melodia original.

Não Te Amo” é um exemplo perfeito de como “Pirata” equilibra o pop tradicional com o sertanejo, no qual ele nasceu, contando até com uma batida eletrônica, mas que não destrói o castelo de areia tão elaborado do compositor. Colocando-se como um narrador não confiável e com características de anti-herói, Jão cria uma faixa na qual descreve um relacionamento que ele tenta muito superar, mentindo para si mesmo que não tem mais carinho por aquela pessoa – deixando passar marés de amor entre os versos.

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“Eu vou te amar como um idiota ama” é um verso tem a auto-pena característica dos narradores da música sertaneja universitária, mas “Idiota” apresenta-se com uma batida tão pop que é quase impossível perceber que ela foi criada em cima de estrofes que não são tradicionais desse gênero musical. Usando de instrumentos de sopro, isso quando o ritmo acelera, a faixa é sentimental porque lembra a qualquer um que escuta de uma pessoa com a qual amamos passar o tempo, mesmo sabendo que um dia ela vai ir embora, como um navio desaparecendo na linha do horizonte.

Usando um violão ou guitarra como base em “Santo”, Jão conta a história de um relacionamento em uma cidade do interior, colocando como episódios descritivos a missa e a quarta-feira cinza. Na verdade, é menos um relacionamento e mais uma série de encontros até que Jão percebe que a pessoa alvo de seu amor o está colocando em cima de um altar, o qual ele sente que não merece. Tentando desencorajar a pessoa a dar de cara com a tsunami que o eu lírico é, ele canta com dualidade sobre os bons momentos com o seu “anjo” e seus defeitos, pedindo perdão por amar-lhe.

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Uma série de notas em um violão, junto com uma – ou o que soa como uma – gaita ao fundo, é com essas pázinhas e baldes que “Acontece” se constrói, ferramentas oficiais do sertanejo. A canção soa mesmo como uma mistura entre um sertanejo tradicional e até uma guitarra de rock, molhando seus pés no pop – o mix é provavelmente ainda mais perceptível porque Jão tem uma voz emotiva, mas não exagerada ou ‘forçada’, uma característica de cantores de pop mais melódico. Tratando de um interesse amoroso que já foi embora, o artista se convence de que já acabou, mas, isso não o impede de sentir falta.

Uma novidade em “Pirata”, “Você Me Perdeu” é basicamente iniciada em cima do piano e de efeitos de voz, usando de ecos e sobreposição de vocais para desenvolver a faixa, aos quais Jão adiciona um violão melancólico. Com versos como “Talvez, se afastar um pouco / Sem perder de vista, parecesse o certo”, ele conta sobre essa pessoa que o machucou por permitir a separação – em uma movimentação de degradação quase natural. Algo interessante dessa faixa é o uso de efeitos quase robóticos nos últimos dez segundos da canção, como se ele falasse com alguém por um telefone que está perdendo o sinal.

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Um pop daquele de trilha sonora de filme com uma cena de uma viagem de carro até a praia, na qual os personagens berram as letras para fora das janelas, “Meninos e Meninas” é, sem dúvida, um destaque de “Pirata”. Intensamente e de maneira extrema, e envolvente, Jão descreve a sua atração por duas pessoas diferentes, um menino e uma menina, que, misteriosamente, vão guiando ele pelas letras sentimentais da faixa e pelos seus sentimentos de auto descoberta, porque como ele mesmo diz: “Ainda tem tanto nesse mundo que eu não aprendi e que eu não sei”.

Coringa” tem um toque latino e é a faixa mais sensual do projeto, sem nem competição para nenhuma das outras. Inesperado como a carta coringa, o relacionamento que Jão descreve na canção é importante por sua intensidade e pelo carinho por seu interesse amoroso, mesmo que um choque para ele, A próxima, “Doce”, é surpreendentemente agridoce. Enquanto Jão sabe que tem carinho por esse seu amante, ele também tem noção de que não daria certo se fossem algo oficial – colocando a culpa em si mesmo, por cima de um violão e ad-libs característicos do sertanejo. Mesmo que as letras tornam-se um pouco repetitivas ao fim da faixa, ainda é efetiva para passar sua mensagem.

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Aproveitando-se completamente da aura praieira do disco, Jão escreve “Tempos de Glória” em uma atmosfera diferente do resto do disco – além de exemplificar de novo o pop-sertanejo seu, colocando percussão marcada tradicional do pop melódico e uma gaita e violão sertanejos na criação dessa canção. Abstrata e cheia de metáforas de auto crescimento, em oposição ao resto de “Pirata”, mais enraizado na realidade, a faixa é como flutuar em uma maré gentil, dentro da qual Jão nos assegura de que de uma forma ou outra chegaremos onde “devemos estar”.

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Narrando a superação de um relacionamento que já passou, Jão ainda garante que ainda tem sentimentos pelos “Olhos Vermelhos” da pessoa que amava, que intitulam a música. A música é interessante porque é completamente uma narração sertaneja, até na maneira que o cantor decidiu narrar a canção, com o seu “incendiar” tirado direto de uma moda de viola. Com mais de cinco minutos, o artista se reconstrói e se solidifica, expressando seu desejo de aproveitar sua liberdade e as inúmeras possibilidades desde que “venci esses seus olhos vermelhos”.

“Pirata” é novo, é como aquela onda súbita quando você está nadando em um pedaço calmo do mar, é como andar na praia e perceber os pequenos caranguejinhos, são momentos de novidade que te colocam em uma posição de decidir o impacto que eles vão ter em você, se é positivo ou negativo. Às vezes incerto de seu caminho, indeciso em cima das produções que o engolem, Jão também é confiante no seu pop-sertanejo e no seu caminho de expressar o mais sinceramente o possível seus sentimentos – fazendo-o de uma forma que impossibilita o ouvinte de não se emocionar junto.

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Pedro Paulo Furlan
Pedro Paulo Furlan
Estudante de jornalismo, não-binárie e apaixonade por música. Sempre aberte para ouvir qualquer gênero, artista ou década. O universo do pop, principalmente hyperpop, k-pop e synthpop, é onde eu vivo e sobrevivo.
Uma onda intensa traz tesouros e areia, “Pirata” também tem destaques e erros, mas não é por ter água salgada nos olhos que gente não pode piscar e mergulhar de novo no mundo emocional de Jão.Resenha: "Pirata" - Jão (2021)