A banda Los Hermanos anunciou retorno aos palcos do Brasil e do mundo em 2019. Após um hiato que começou em 2007, Marcelo Camelo e Rodrigo Amarantes reuniram a banda em apresentações especiais e shows memoráveis ao longo deste período, como os reencontros em 2012 e 2015, então a expectativa da gravação de um DVD no Maracanã em 2018 deixou os fãs eufóricos com a notícia do retorno.
Dentre os quatro álbuns produzidos pela banda “cult”, “Ventura” se destoa dos dois primeiros discos ( o álbum homônimo “Los Hermanos” e “O Bloco do Eu Sozinho”, que deram abertura para os hermanos no cenário fonográfico brasileiro). Lançado em 2003, foi o primeiro trabalho de uma banda a ser disponibilizado – de maneira ilegal – na internet antes de seu lançamento oficial.
Nas plataformas norte-americanas a classificação do gênero é rock latino, e talvez essa seja a melhor forma de classificar “Ventura” que mescla rock alternativo, mpb, bossa nova e indie rock. É considerado pela Rolling Stone Brasil como o 68º maior disco brasileiro e, em votação feita pelo Jornal Estadão, “Ventura’ foi eleito o melhor disco brasileiro de todos os tempos.
O álbum, que iria se chamar Bonança, é fiel ao som e aos sentimentos da banda e compõe 15 faixas. “Ventura” é a maturação e consolidação da essência dos Los Hermanos, trabalho que consagrou a banda e dois dos melhores compositores e letristas da nova geração: Camelo e Amarante. Algo que não se via desde Renato Russo. Com o tom romântico, as canções tem arranjos robustos e refinados, guitarras suingadas e metais em expansão.
“Uma lição aprendida na nossa curta carreira é que a única maneira de fazer as coisas direito é tendo como guia os sentimentos”, Marcelo Camelo, durante as gravações, no sítio em Petrópolis.
A primeira faixa, “Samba a Dois”, é um samba elétrico moderno recheado de Los Hermanos e nos mostra uma das influências da banda, principalmente de Marcelo Camelo: o cantor Chico Buarque. A letra dialoga entre versos com a canção de Chico “Tem Mais Samba”, além de ser uma ode ao gênero brasileiro, onde Camelo nos mostra que o samba vai além de uma simples explicação, o que o torna fascinante: “Nem se atreva a me dizer do que é feito o samba”.
O primeiro single do álbum, “Vencedor” é a síntese do pop rock dos Los Hermanos. Contrapondo a faixa inicial, a melodia se caracteriza pelo contrassenso do triunfo de uma vida vitoriosa. Na época, a banda já era conhecida e abastada financeiramente, todavia passavam por uma pressão da industria fonográfica que queria uma nova “Anna Júlia”. Todavia, eles disseram em alto e bom som: “Eu que já não quero mais ser um vencedor”.
Em “Tá Bom” os rifes pesados de guitarra dá o tom melancólico para o formato da letra em monólogo: o eu-lírico que se encontra na presença de seu amigo e o aconselha sobre desilusão amorosa “Senta aqui, que hoje eu quero te falar”.
“Último Romance” é uma das canções mais famosas do álbum. Marcado por um instrumental incrível, o single se equilibra com duas guitarras e a bateria de Rodrigo Barba, suavizando pratos e chimbais sem tornar “pesado” as demarcações que remetem ao tempo. A letra tem uma temática no mínimo incomum: fala do romance entre um casal de velhinhos! Sim, pessoas de idade também amam e sentem emoções intensas.
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“Do sétimo andar” é uma das canções escritas por Rodrigo Amarante e mostra suas características líricas: a mistura do poético com o prosaico, o uso da crônica para expressar o cuidado para com o outro. Nesta canção mora vários rumores sobre qual a peculiaridade da personagem central: se é um amor, os pais falecidos ou a mais aceita, um tipo de psicose, provavelmente esquizofrenia, e assim compreendemos o porquê da dificuldade de cuidar dela.
“A outra”, escrita por Marcelo Camelo, utiliza-se do eu-lírico feminino, recurso tão usado por Chico Buarque e Noel Rosa. Com um início psicodélico, o drama da mulher que não suporta mais as traições é conduzido por uma levada brega “la Reginaldo Rossi” com uma batida “los hermanica” e a voz suave de cansaço de Camelo.
“Cara estranho” encabeça um dos maiores singles da banda carioca. A letra perpassa pelos sentimentos do personagem que são enfatizados através da dinâmica sonora da música (que nos faz lembrar a banda inglesa Strokes e a letra de “Fitter Happier”, do Radiohead). Em uma temática filosófica entre Vinicius de Moraes e o poeta Carlos Drummond de Andrade, a letra fala sobre aqueles “caras estranhos”, isto é, pessoas que não se adaptam muito bem ao mundo como ele é, revelando as poesias de Drummond através dos conflitos do personagem com a sociedade ao seu redor, mas também com o seu “eu interior”.
As melodias seguintes como “O Velho e o Moço“, de Amarante dá a impressão de um Coldplay tocando bossa. “Além do que se vê” um instrumental estilo Beirut , “O Pouco Que Sobrou” é um ska equalizado cheio de ruídos experimentais que alcança “Conversa de Botas Batidas” em um tango com guitarras. Nota-se que, entre uma faixa e outra, certa tristeza existencial típica do Radiohead mesclam-se entre arranjos de metais e sopros.
“Deixa o Verão”, posteriormente mais conhecida pela voz de Mariana Aydar, traz um suingue divertido entre letra e sonoridade.
“Do Lado de Dentro” e “Um Par” ambas com toques mais pesados, em sua essência são músicas com uma pegada animada, mas com letras melancólicas de contrassensos e incompreensões.
O single “De onde vem a calma” é a sincronização de Los Hermanos e “Karma Police” do Radiohead entre uma voz mais sussurrada de questionamentos e a batida trôpega de quem perambula com uma solidão mascarada.
Pré-produzido no Sítio Remanso, em Petrópolis (RJ) entre 15 de Outubro e 13 de Dezembro de 2002, a MTV Brasil fez um documentário sobre os bastidores do álbum e nele é possível ver uma série de declarações dos integrantes da banda, versões demos e exclusivas das músicas.
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