Resenha “Truque” – Clarice Falcão (2023)

clarice falcão
Foto: Divulgação

Talvez o amor seja uma das grandes matrizes da humanidade. Não apenas o intrínseco do sentimento, mas todas as emoções geradas a partir deste, como felicidade, tristeza e ciúmes, acabam impactando na conduta e nas relações que mantemos uns com os outros. O amor, que é diária e continuamente tema de peças literárias, teatrais e cinematográficas, é também o grande pilar de “Truque”, novo álbum de Clarice Falcão que é lançado nesta quinta-feira (10).

Após um hiato de 4 anos desde seu último disco, “Tem Conserto”, a cantora traz um projeto totalmente inédito não apenas como forma de marcar a nova fase de sua carreira, mas também de honrar sua essência artística e o legado que construiu nos últimos 10 anos a partir do lançamento de “Monomania” (2013).

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Ao longo de suas 12 faixas, “Truque” evidencia uma das características mais particulares de Clarice Falcão: a arte de contar histórias. Como a própria artista contou em entrevista ao Nação da Música, trata-se de um disco bastante narrativo: “ele é bem pensado como uma história mesmo, e a coisa do “truque” é muito falando de ilusão e desilusão, que andam de mãos dadas”, explicou a cantora. 

Como toda história que se preze, o álbum abre com uma introdução, tendo o clássico “era uma vez…” substituído por “existe uma dimensão pra nós dois”. “Dimensão” traz a real sensação de que os ouvintes estão entrando numa realidade paralela, por meio da combinação do pop com elementos da PC Music, resultando num efeito magnético tanto do efeito na voz de Clarice, quanto em especial pela cadência de flautas.

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Quase que num tom de fábula pela continuidade da presença marcante das flautas, “Fundo do Poço” traz um capítulo um tanto quanto otimista na narrativa da cantora, apesar do título. A composição exalta a grande capacidade descritiva de Clarice Falcão, usada em muitas de suas músicas antigas, relatando em tom cômico a decoração feita em seu fundo do poço particular. A analogia à falsa sensação de se estar num mar de rosas de uma relação não tão saudável, traduzida pelos versos “quando eu cheguei não tinha nada, deu até vontade de ir embora / quando eu desisti de achar a porta, comecei a me sentir em casa”, torna-se ainda mais cativante com a batida e o toque futurista dos sintetizadores.

O gancho criado pela estrutura musical é mantido na seguinte “Chorar na Boate”, lead single do álbum. Sejam nos versos cantados, sejam nos versos falados, a faixa completamente pop, dançante e nostálgica representa um importante momento da história de Clarice Falcão, por trazer a primeira quebra da idealização romântica num dos maiores refúgios dos corações partidos – afinal, quem nunca sofreu por alguém no meio de uma festa, depois de tomar algumas a mais? Todo o relato torna-se ainda mais real e verdadeiro com a interlude “Quatro da Manhã”, que em menos de 40 segundos ilustra literalmente o que é sair de uma boate em plena madrugada, e caminhar para a casa numa rua pouco movimentada, na companhia de apenas alguns carros e o rádio de um provável boteco.

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A também conhecida “Ar da sua Graça” pode ser paralelamente associada a uma ressaca amorosa, mais do que moral. Distinguindo-se das anteriores, a faixa exala a melancolia da solidão emergente de uma decepção amorosa, como expressa o refrão “você não me dá mais o ar da sua graça / e nada tem graça, nada tem jeito / e ninguém tem rosto, e esse aperto no peito / não me dá mais gosto nem de respirar”. A música salienta ainda o clima de se “estar na fossa” pela melodia mais calma, protagonizada por densos acordes de piano, e ainda assim elaborada pelos arranjos de guitarra e de violoncelo em segundo plano.

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Passado o momento de lamentação, “Podre” retoma o ritmo dançante que caracteriza o disco, trazendo por meio dos sintetizadores novamente a sensação de se estar entrando em outra dimensão; dessa vez com a protagonista reconhecendo a distorção da realidade de seu relacionamento, à medida que recapitula a história desde o início (que aconteceu no banheiro químico de uma festa). Explorando mais uma vez suas habilidades narrativas, a faixa exalta Clarice ainda na segunda voz do refrão, que acentua a sensação de delírio.

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Como uma extensão da melodia de “Podre”, “Eu Destruo” é um dos grandes destaques do disco ao meu ver por todas as nuances que fazem parte da estrutura musical: sob uma base bastante semelhante às de Duda Beat no álbum “Te amo lá fora” (2021), os arranjos de guitarra complementam a narrativa de Clarice. Em dado momento, o som de um disco sendo trocado decorrente dos efeitos da mixagem, revelam o ciúmes e as atitudes relativamente destrutivas – que já apareceram na faixa “Deve Ter Sido Eu”, do álbum “Eu Sou Problema Meu” (2016) – a exemplo dos versos “eu costumava ter escrúpulos / agora se você mandar eu pulo / eu não gostava de ultimato / agora se você pedir eu mato”.

Marcando a virada de chave da história, “Truque” revela-se não apenas uma das melhores faixas do álbum, mas também a razão pela escolha do título do álbum. Sob um conjunto musical bastante elaborado e coerente, que intercala arranjos de guitarra, piano, trompetes e violinos, os versos “você não veio / você me fudeu / tomei um truque” e “depois de meses de expectativa fazendo planos você não veio” trazem ainda de forma literal o momento em que a protagonista se depara com os truques das ilusões e desilusões que podemos ter no amor. O clímax é sucedido ainda pela divertida e contagiante “Ideia Merda”, que ilustra com a essência de Clarice Falcão e uma bela cadência de violoncelos, a epifania que temos ao nos darmos conta de que vivemos um relacionamento ruim com alguém que já não conseguimos mais reconhecer, como consta em “eu te construí / te destruí / relaxa aí, pode deixar / foi tudo eu / que ideia merda”

Por mais que a conclusão de que o melhor a se fazer após uma relação ruim é se afastar, “Dizer Adeus” retoma propositalmente a sonoridade melancólica, marcada essencialmente pela batida e momentos pausados de outros instrumentos, para ilustrar as inseguranças e dúvidas que surgem no momento em que o ex ressurge pedindo para voltar, depois de tudo. Perto de encerrar o álbum em grande estilo com uma melodia otimista, marcada por trompetes e elementos típicos do groove dos anos 70, “Quero Acreditar” surge, de forma simples e direta, como uma nota de esperança a respeito do amor e de que as pessoas sabem se relacionar decentemente. 

Quase que como uma faixa bônus na minha opinião, “Segunda Dimensão” encerra a história contada em “Truque” replicando de forma reduzida o conceito da faixa de abertura de se estar entrando numa outra realidade, o que concretiza a intenção de Clarice Falcão de deixar um “final aberto” neste conto amoroso. É possível interpretar esta “dimensão” trazida numa espécie de epílogo como o capítulo de uma nova história amorosa, assim como é possível interpretar a volta da protagonista para o ciclo vicioso no qual esteve presa, caindo mais uma vez nos mesmos “truques” do amor.

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Natália Barão
Natália Barão
Jornalista, apaixonada por música, escorpiana, meio bossa nova e rock'n'roll com aquele je ne sais quoi
Após um hiato de quatro anos sem trabalhos musicais, Clarice Falcão reúne toda a sua essência artística e um pouco das características de seus últimos álbuns, em "Truque", contando com excelência e humor as ilusões e desilusões que encontramos no amor.Resenha “Truque” - Clarice Falcão (2023)